A pintura, mais do que algo para se apreciar, é uma forma de expressão de muitos artistas antigos e contemporâneos. Ela pode ser objetiva ou abstrata, retratar um momento, uma pessoa ou um sentimento. Pensando que esse tipo de arte pode deixar transparecer o mais íntimo de quem a cria, também pode ser uma aliada na psicanálise, que busca compreender a subjetividade e o inconsciente das pessoas.
Foi por meio da junção dessas duas áreas aparentemente distantes que a exposição Palimpsesto Mágico nasceu. A mostra, exibida em São Paulo desde o dia 30 de setembro, é composta por mais de 150 esboços criados pelo artista plástico brasileiro Egas Francisco, de 80 anos, durante as sessões de terapia que ele fez com o psiquiatra Isac Karniol por quase dois anos. Segundo o médico, a expressão por meio da arte foi fundamental para o processo terapêutico.
“Ele não queria mais pintar, estava deprimido, mas voltou a pintar e expor. No caso dele, por questões clínicas, não era possível usar muito medicamento. E ele sem arte não vive. E os medicamento interferem na criativaidade. Era necessário achar uma forma de comunicação do inconsciente, não só por palavras”, contou Karniol ao E+.
A terapia não serviu apenas como tratamento para o pintor, mas também para o psiquiatra. “Concordamos com Egas que nós nos tratamos, pois aspectos mais profundos e vivos dos nossos seres estavam em comunicação”, declara o médico na introdução do livro Palimpsesto Mágico, que reúne as obras da exposição e interpretações analíticas delas assinadas por Karniol e sua mulher Patrícia, também psicanalista.
Segundo o especialista, é a primeira vez que esse tipo de produção é feita por um artista durante as sessões de terapia. “Eu e Patrícia procuramos várias formas de arte para comunicar com os pacientes: música, desenhos; e eles se expressam. Mas é a primeira vez em toda literatura da psicanálise que um artista se expressa também por pintura.” A mostra dos esboços fica aberta até o dia 11 de outubro.
Arte e psicanálise
Sigmund Freud, criador da psicanálise, usava a arte como referência em seus trabalhos. O mais conhecido, talvez, seja o complexo de Édipo, baseado na peça de teatro grego Édipo Rei, escrita por Sófocles. A história foi utilizada pelo psiquiatra para elucidar as questões mais fundamentais da sexualidade humana.
Karniol explica que a arte, e neste caso a pintura, não é comumente utilizada como ferramenta terapêutica na psicanálise. No entanto, pode ser e é usada em casos específicos, quando a pessoa analisada não consegue se expressar por palavras. Crianças e quem tem esquizofrenia, por exemplo, poderiam fazer uso da técnica.
Esse não é o caso de Egas, mas continuar criando durante as sessões de terapia foi algo que ocorreu naturalmente. “Na primeira sessão, ele trouxe alguns desenhos. A partir do momento que ele se expressa tão bem pelos esboços, isso espontaneamente surgiu como possibilidade. A subjetividade dele, o aspecto mais instintivo, vinha nas obras e era essencial na psicanálise’, conta Karniol.
Além das palavras e dos desenhos, Egas Francisco também levava poemas para as sessões, outra forma de arte. O psiquiatra explica que, no funcionamento mental, existe a subjetividade, que envolve emoções e sentimentos e precisa ser levada em conta na terapia. “Essa subjetividade e elementos inconscientes se expressam por outras formas, inclusive por imagens. É uma forma de comunicação e essa subjetividade é o mais íntimo, transparece de forma mais evidente”, diz.
Segundo Karniol, o inconsciente influencia mais o nosso consciente do que a razão. Assim, os esboços de Egas Francisco expressavam aquilo que podia não ser dito em palavras, uma ferramenta a mais para que o psicanalista pudesse compreender as demandas do paciente. “Essa possibilidade de comunicação do Egas tem aproximação entre arte e ciência. Esta a ciência não conseguiu aprofundar nesse inconsciente, mas Egas penetra nesse inconsciente”, afirma.
A exposição Palimpsesto Mágico fica aberta até o dia 11 de outubro na Joh Mabe Espaço Arte & Cultura, em São Paulo. O espaço está localizado na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 4.225, e abre de segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 18h, e aos sábados, das 10h às 14h.