Depois de passar décadas na pele do mocinho das novelas, Reginaldo Faria, aos 70 anos, encarna Clemente, um jornalista aposentado, em Paraíso tropical. Na trama, ele é avô de Mateus, vivido por Gustavo Leão, o jovem galã da vez. Mas nada que tire o sono de Reginaldo. Para ele, é possível chegar à maturidade mantendo-se ativo, seja em papéis sucessivos em novelas ou discutindo roteiros com os filhos e sobrinhos, que herdaram a veia artística da geração de Reginaldo e de seus irmãos, o diretor de cinema Roberto Farias e o produtor Rogério Faria. ?Não sei se somos artistas ou arteiros. Em casa, conversamos sobre trabalho permanentemente. Eu sou o mais chato de todos, estou sempre falando sobre isso?, vibra, com um brilho quase adolescente no olhar.
P – Em Paraíso tropical, Gilberto Braga tem no elenco atores consagrados em papéis fora do núcleo central. Você, por exemplo, por muitos anos foi o galã das tramas, e agora faz papel de avô. Como vê isso?
R – Eu sou o avô galã. A vida é assim. A gente cresce, fica maduro, os papéis vão mudando com o tempo. No caso do Clemente, a base da vida dele é a família, a esposa que ele ama, a filha, o neto de quem ele cuida com bom-humor. A família é o que lhe dá motivos para viver, sem ter tempo para o tédio do homem aposentado, que bota um chinelo e fica vendo televisão.
P – Em quatro anos, é sua quarta novela. Os autores têm bons papéis para atores maduros?
R – Já fiz ótimos papéis na Globo depois da maturidade. Em Sinhá moça, por exemplo, o dr. Fontes era um ótimo personagem. Boas oportunidades são uma questão de sorte. Nem sempre há vontade de ?vestir a camisa? do personagem. Não acredito que os autores estejam preocupados diretamente com esse ou aquele ator. Eles se preocupam com as histórias em si. Os atores muitas vezes têm que se virar com o que recebem. Aceito trabalhos também pela possibilidade de estar junto dos amigos, produzindo algo.
P – Seu primeiro filme, No mundo da lua, foi há 49 anos. Qual foi a maior mudança de lá para cá?
R – Naquela época, não havia regulamentação da profissão de ator, éramos uns românticos. O preconceito era muito grande em relação ao que fazíamos. A situação foi mudando a partir da regulamentação dos atores e do advento da televisão, que começou a massificar a profissão. Por outro lado, hoje há muitos artistas, o que gera maior competitividade. Seria bom se houvesse mais emissoras, porque só existe a Globo em termos de padrão de qualidade. Isso dificulta a entrada de novos talentos pois, mesmo que um novato faça sucesso em uma produção, outros podem suprir o lugar dele na próxima. A oferta é maior que a procura.
P – Sua primeira novela foi em 1965. Depois, ficou até 1972 afastado da tevê. Houve preconceito com o gênero nascente que era a telenovela?
R – No ano de inauguração da Globo, participei de Ilusões perdidas. Na época, as novelas eram meio experimentais ainda. Quando terminou meu contrato, em 1966, eu saí da tevê. Fiquei seis anos só fazendo cinema. Sim, houve um pouco de preconceito de atuar em novelas, o cinema era considerado um gênero mais ?sério?. Da mesma maneira que houve preconceito com relação a comerciais. Eu me lembro que grandes atores e atrizes diziam que fazer comerciais iria denegrir suas imagens e eu me incluo nessa lista. Depois, mudei de idéia. Nos anos 70s, fiz um comercial de cigarro para o qual ganhei o suficiente para comprar um carro.
P – No cinema, você já produziu, roteirizou e dirigiu. A ?sétima arte? dá mais possibilidades de atuação?
R – A diferença é que no cinema há mais tempo para se preparar, é uma obra que tem princípio, meio e fim. Você pode elaborar mais cenários, luz, figurino, ensaiar milhões de vezes a mesma cena, não ter pressa…. Em Água viva, na qual eu vivia Nelson Fragonard, Roberto Talma, o diretor, teve de viajar para Nova Iorque, e eu fiquei dirigindo junto com o Paulo Ubiratan. Achei a experiência cansativa, descobri que prefiro trabalhar como ator. Dirigir, só no cinema, com mais tranqüilidade. Não considero isso uma deficiência da televisão. O imediatismo é intrínseco à novela.
