Eles não se juntavam em um estúdio desde 2016, quando se reuniram com Paulo Miklos, Sergio Britto e Branco Mello para cantar Azul de Presunto no disco Jardim Pomar. Agora, os dois ex-Titãs Nando Reis e Arnaldo Antunes fazem um rápido reencontro para os dois shows da turnê de Nando, Esse Amor Sem Preconceito, baseado no álbum Não Sou Nenhum Roberto, mas às Vezes Chego Perto, com regravações de Nando para músicas que fizeram sucesso sobretudo nos anos 1970 na voz de Roberto Carlos.
Arnaldo fará quatro participações, sendo uma delas (eles preferem não revelar as outras) Não Vou me Adaptar. Samuel Rosa será outro convidado. Os shows serão sexta, 24, e sábado, 25, no Espaço das Américas, em São Paulo. O jornal O Estado de S. Paulo aproveitou o raro encontro de Nando e Arnaldo, momentos antes de um ensaio em um estúdio na zona oeste de São Paulo, para conversar com os dois.
Olhando para os Titãs anos depois e comparando com os trabalhos de hoje, havia raiva, rebeldia, protesto e toda a juventude movendo a composição de vocês. Três décadas depois, com os filhos e todas as mudanças que o tempo traz, o que alimenta a música que vocês fazem?
Arnaldo: Para mim, é tudo muito parecido, sinto que a inquietude é a mesma. Tanto que em meu último disco (RSTUVXYZ, de 2018) gravei aquela parceria com o (ex-titã, morto em 2001) Marcelo Fromer (Se Precavê), que fizemos no começo dos Titãs, e parece que foi feita agora, soa muito atual. O anseio criativo, o desejo de expressão, de dizer as coisas que devem ser ditas, a inventividade, tudo parece igual. Claro que vamos amadurecendo no sentido de termos mais experiência, cantando melhor, tocando melhor, lidando melhor com a imprensa. E há diferenças na performance de palco também. Havia certos movimentos que eu fazia e que hoje faço menos, como aquele chute no ar que a perna não vai mais tão alto (risos).
Nando Reis: Sobre a composição, o contexto como você diz, como se a juventude fizesse diferença em relação aos incômodos… Sinto que o que se mantêm idêntico é a música, a busca pela resolução da canção. Quando penso em fazer uma música, tenho a mesma curiosidade, a mesma angústia e a necessidade de trabalhar da mesma maneira, eu gosto da melodia. Isso não faz diferença alguma tenha eu 19 ou 56 anos.
Para falar de flores
Nando e Arnaldo se alinham em mais de um ponto e o principal deles, aparentemente, é a forma como dizem se sentir ameaçados e hostilizados como artistas em um mundo politicamente polarizado. Mas, ao contrário dos anos de Titãs, quando o protesto poderia aparecer em uma lista de desafetos como Nome aos Bois, hoje ele pode estar no simples ato de se batizar uma turnê como Esse Amor Sem Preconceito, usando frase de Roberto Carlos de 1971, ou de se gravar sambas ao lado de rocks como fez Arnaldo em seu disco mais recente.
O violão parece ser um ponto de diferença importante entre vocês. Nando tem o pensamento da canção, parece compor sempre com o violão no colo. Arnaldo tem uma postura mais sinfônica, pensando no todo.
Arnaldo: Eu toco violão apenas como ferramenta para compor. Mas o valor de uma canção, para mim, está muito na adequação de uma coisa à outra, na maneira como se entoa a letra, como se divide as sílabas na cadência rítmica. Às vezes, faço música andando na rua, sozinho, e ela pode vir com letra ou sem. Às vezes, aparece em um ensaio, com a banda improvisando algo, como era nos Titãs.
Nando: Eu componho muito mesmo ao violão, no entanto, quando trabalho com Samuel Rosa, por exemplo, faço algo único, que é escrever letra sobre a melodia. Na verdade, o que identifica cada artista é sua linguagem própria que pode também passar por isso. No fim das contas, fazemos música.
Havia uma expectativa por aquilo que vocês viriam a fazer nos próximos discos dos Titãs. Sem as gravadoras, o final dessa cobrança parece ter deixado o artista mais livre, capaz de criar um próximo álbum completamente diferente do trabalho anterior.
Nando Reis: Para mim, isso está associado à absorção do trabalho. Não lanço mais um disco por ano, não sei se é porque não há mercado para isso ou se já tenho outro ritmo, mas lidamos com o momento. Expectativa nunca foi algo que tenha qualquer tipo de interferência no que fizemos.
Arnaldo: A gente lançava um disco por ano, mas isso tinha um ritmo natural. Era algo orgânico gravar, lançar, até que a coisa do digital quebrou um pouco esse formato. Eu ainda sou muito apegado ao formato de álbum, continuo pensando em termos de álbum quando vou fazer um trabalho. Quem está aparecendo agora já está pensando diferente, tem gente que só lança single. Mas acredito que é importante continuarmos tendo expectativas, ela faz parte da relação do público com o artista, deve existir para a manutenção do mito.
Vocês sempre tiveram posturas políticas declaradas em seus trabalhos. A delicadeza do momento polarizado do País pode mostrar que existe uma
nova forma de se politizar os versos de uma canção?
Arnaldo: O artista é livre e, inevitavelmente, o assunto será político, seja sua canção sobre a namorada, o porteiro ou a mãe. Fazer política não é só se referir aos representantes oficiais. Agora, estamos em um momento hostil, terrível e de ameaça constante com relação a tudo o que eu ao menos prezo como cidadão, como artista. Por isso, é um momento de se valorizar as coisas positivas como a poesia, a música, os direitos humanos, a natureza, a relação entre as pessoas. Qualquer uma dessas coisas que valorizar já estará sendo subversivo nesse status quo. Eu, como cidadão, me sinto ameaçado.
Nando Reis: Eu, como cidadão, me sinto ameaçado e, como artista, me sinto hostilizado por um governo que é explicitamente hostil, especialmente a quem tem pensamento contrário a ele. Eu, curiosamente, dei o nome a essa turnê de Esse Amor Sem Preconceito, que é um verso tirado da música de Roberto e Erasmo. Ela tem uma força política incrível. Escrever é hoje em dia um posicionamento. Estou dizendo desde o dia em que nasci as coisas em que acredito.
Arnaldo: Dizer Esse Amor Sem Preconceito, a frase de Roberto, é um ato político hoje em dia como também é o fato de eu cantar rocks e sambas alternando os dois no disco, um exercício de convivência com a diversidade que acaba sendo político e pedagógico em uma época de tanta intolerância. Assim, acabamos sendo políticos mesmo sem querer.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.