Arlete Salles: malvadezas sérias em Sabor da Paixão. |
Arlete Salles nunca imaginou que um personagem marcante pudesse trazer preocupações. Mas, ao receber a sinopse de Sabor da Paixão, logo se lembrou de Augusta Eugênia, sua extravagante vilã em Porto dos Milagres, de 2001. Arlete sabia que, para dar vida à dominadora e maquiavélica Zenilda Paixão, precisaria “exorcizar” a socialite decadente que não perdia a pose. “Foi uma personagem querida. Mas, agora, ela que fique lá em cima, porque eu preciso dar conta deste novo recado”, brinca, em tom sereno.
Aos poucos, Arlete foi mapeando as diferenças entre as duas vilãs. A principal é a que mais a agrada: a elegância de Zenilda. Acostumada a interpretar mulheres do povo ou “peruas malucas”, como define, a atriz tem adorado dar vida a uma refinada produtora de vinhos. E se envaidece pela boa imagem no vídeo e pelos comentários nas ruas. “Sempre perguntam se fiz cirurgia plástica, se uso aplique… Desde que deixem minha alma, do resto podem duvidar…”, consente, numa sonora gargalhada.
Bem-humorada, a atriz está sempre rindo ou fazendo rir como fez com a insana Kika Jordão, de Lua Cheia de Amor, em 1990, ou a delegada Francisquinha, de Pedra Sobre Pedra, em 1992. E se diverte ao revelar as recomendações de Ana Maria Moretzsohn e Denise Saraceni, autora e diretora de Sabor da Paixão, que fizeram questão de ressaltar que Zenilda é uma vilã séria. Arlete, porém, ainda não se convenceu. “Às vezes, leio o texto e digo: ?Vejam se isso não é uma cena de comédia!”, desafia.
Aos 38 anos de profissão, Arlete é vista com freqüência na TV e nos palcos, mas quase não teve contato com o cinema. “Não deu tempo”, explica, com entusiasmo de iniciante. No ano passado, no entanto, ela fez o longa-metragem “O Terrível Rapaterra, de Ariane Porto, que entra em cartaz em janeiro. Ao teatro, a atriz só deve voltar depois da novela. “Sempre digo que não vou mais fazer tevê e teatro juntos, mas acabo cedendo. Desta vez, vou segurar as rédeas”, jura, com jeito de quem não resistiria a um convite tentador.
P – O convite para fazer outra vilã logo depois da Augusta Eugênia não assustou você?
R – No início, tive muito receio. A Augusta Eugênia marcou demais. Era difícil exorcizar o fantasma dela. A voz é minha, o corpo é meu, tem a minha marca de intérprete. São coisas que sempre vão estar presentes. E as duas são vilãs que lutam para não perder o status. Então, eu tive de tentar, de todas as formas, encontrar as diferenças entre elas. Até porque eu acho a repetição muito monótona e me incomoda repetir o mesmo trabalho. O meu grande desejo é sempre surpreender o público de alguma forma, com algo atraente, diferente. Não foi fácil, mas existem diferenças enormes.
P – Quais?
R – A Augusta era mais uma inconseqüente, uma insana. Era mais tirana que vilã. Já a Zenilda vai cometer muitas maldades para defender o que ela acha que é direito dela. E é uma mulher extremamente trabalhadora, determinada, obstinada. A Augusta não era. Ela queria ter direito a tudo, mas sem levantar um dedo para isso. Em termos de composição, a Augusta era muito histérica, gritava por tudo, vivia sempre nos agudos. Ela era uma soprano lírica da vida. A Zenilda é mais contida, até porque é uma mulher elegante. A Augusta não era nada elegante. Os códigos dela em relação à vida eram extremamente deselegantes. Já a Zenilda controla tudo, inclusive ela própria. É uma mulher para quem as emoções não andam à solta.
P – Você já está satisfeita com o seu trabalho em relação a estas diferenças?
R – Eu tomo muito cuidado para a Augusta Eugênia não aparecer. Acho que ela já apareceu algumas vezes. O meu nível de exigência em relação ao trabalho é excessivo. Então, sinceramente, eu não posso dizer que já estou satisfeita com a minha atuação. Acho que ainda pode ser melhor, a alma dela pode aparecer mais. Tem um momento em que o personagem se manifesta fácil, o encontro entre intérprete e personagem acontece de tal forma que ele caminha quase sozinho. Ainda estou na hora da busca, do trabalho, que é uma hora em que até há emoção, mas ainda tem muita técnica. Chega um momento em que a técnica se funde com a emoção e o personagem é praticamente conduzido apenas pela emoção. Mas ainda falta um tempinho para ajustar este encontro.