Todo mês ele fazia quase tudo sempre igual, mas naquele dia em especial, 4 de maio, acordava às seis horas da manhã. Sorriu, com um sorriso pontual (e aliviado) ao receber, no seu e-mail, a versão final do clipe de Estereótipo, vídeo cujo lançamento seria horas mais tarde e acompanharia a chegada da música nas plataformas de streaming. Era o início do projeto Em Construção, no qual Rashid se propôs, ao longo de oito meses, lançar uma música e seu respectivo videoclipe, para expor o processo criativo e, também, em resposta a uma análise de mercado realizada por ele e por Daniela Costa, sua empresária.
“Isso tudo começou aqui”, diz Rashid. Está na padaria do andar térreo de um prédio pequenino, no Parque Mandaqui, na zona norte da cidade. No andar acima está a Foco na Missão, escritório do rapper e onde trabalham sete pessoas – o mais recente “contratado” é o irmão dele, Murilo, que deixou Minas Gerais, tal qual o rapper, para tentar uma vida no futebol em São Paulo. Rashid mora a 10 minutos de caminhada de distância do escritório. Naquele dia, repetiu o caminho, para a entrevista, debaixo de um sol escaldante, embora a tarde já estivesse no meio. Ao perceber a confusão com o uso da palavra “aqui”, o rapper deixou sair um sorrisão, riu e largou o copo de suco de laranja que levava à boca. “Não exatamente aqui, mas aqui, comigo e com a Dani”, completou.
Mês a mês, Rashid se propunha a criar uma nova música a partir do zero, da batida à finalização e masterização, criar um videoclipe. No meio tempo, gravava, editava e publicava mais um vídeo para explicar a nova música, organizava suas redes sociais para o próximo lançamento e escrevia um livro que contará as histórias que inspiraram suas primeiras canções.
Ao final do Em Construção, Rashid está feliz e tem razão para isso. Nesta sexta-feira, o que era um punhado de singles (oito no total) ganha a forma de um disco. Crise – nome dado por representar a temática que, sem querer, escancarou-se para o artista – tem também duas músicas novas, Música de Guerra e Pés na Areia (Promessas), responsáveis por abrir encerrar o disco.
A alegria do rapper vem antes chegada de Crise. São seus números nas plataformas digitais em plena expansão, o motivo do rapper, embora seu riso sempre tenha sido fácil. No Spotify, um serviço de música por streaming (pela internet), Rashid saiu de 120 mil ouvintes mensais para pouco mais de 600 mil, ao final do projeto. Nos gráficos entregues pelo serviço para os artistas, os saltos no crescimento estão diretamente ligados às datas de lançamento de cada uma das músicas do projeto. Em 2017, ele triplicou seus seguidores no Spotify, por exemplo, e viu suas redes sociais (Instagram, Twitter e Facebook) também crescerem. “Tivemos essa ideia”, o rapper explica, “e decidimos seguir com isso. Foi um processo muito maluco e tem tido um resultado maravilhoso. Eu queria muito fazer algo diferente”.
Rashid é rapper, nascido no Lauzane Paulista, batizado como Michel Dias Costa, criado em Ijaci, cidadezinha de Minas Gerais. Batalhou nas rinhas de MCs, ao lado de Emicida, participou do disco solo do Kamau. É também business man, com a linha de roupas Foco na Missão. E, quando fala sobre a estratégia de lançamento de Em Construção, o faz com propriedade. “A gente imaginou que cada single fosse andar mais do que o anterior”, explica. “A estratégia serviria para manter o nome rodando. É difícil pedir para uma pessoa parar o que está fazendo para ouvir um álbum, mas você pode pedir por cinco minutos para ela ouvir uma música. Foi tudo bem planejado e o crescimento foi maior do que a gente esperava.”
Em Construção, que culminou em Crise, segue afiado com o novo mercado do consumo da música, revolucionado após o caos digital da pirataria. As plataformas digitais funcionam, hoje, como uma porta de entrada para os novos artistas, com playlists e recomendações personalizadas feitas com o uso dos algoritmos. Uma estratégia similar à de Rashid fez Anitta com seu CheckMatte, projeto no qual lançou quatro músicas/clipes e se aproximou definitivamente do mercado internacional – é bom lembrar, contudo, que Em Construção veio antes do projeto da cantora pop.
“O Fióti me falou algo uma vez”, diz Rashid, sobre o conselho recebido pelo empresário e cantor irmão de Emicida: “Que o importante não era só ter as ideias e, depois, vê-las morrer. Não deixe as ideias morrerem. É isso que vai fazer a diferença’. Às vezes, pensava que tal ideia seria para outra hora. Mas se não é agora, quando será?”.
No início da carreira, Rashid teve como livro de cabeceira o Hagakure, uma obra que reúne a filosofia samurai. “Não é para levar ao pé da letra”, ele se adianta a dizer. “Mas são ensinamentos. Como (o livro) A Arte da Guerra (de Sun Tzu). Começamos nas batalhas de rimas e, agora, estamos gritando por atenção em meio a artistas gigantes. Estamos saindo do underground e começando pequenos no mainstream. Saímos de uma lagoa e estamos caindo no mar, vendo o tamanho dos peixes. É assustador, mas estamos tentando nos organizar.”
Serviço:
RASHID
CRISE
Foco na Missão; Plataformas digitais
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.