Os instrumentistas têm facilidade em transmitir emoções por meio de notas musicais sem dizer uma só palavra. A pianista e cantora Diana Krall sabe disso e parece até que se multiplica em duas ou mais Dianas ao deixar ao registro vocal a expressão máxima do romantismo e, aos dedos no piano, todos os pensamentos secretos de uma menina nada comportada. Mas o que causou dúvidas à plateia que a ouviu em São Paulo foi quando ela cantou “Esse seu olhar”, de Tom Jobim, em português. No segundo dia de apresentação de seu 12º disco “Quiet Nights”, o HSBC Brasil estava praticamente lotado com cerca de duas mil pessoas, reunindo fãs e músicos em homenagem ao jazz e à Bossa Nova. A turnê internacional ainda passará por Brasília, amanhã, e Rio, na segunda-feira.
Ao cantar a música em português ela chegou a provocar risos em alguns e a instigar outros. Risos porque ela não sabe falar a língua de Jobim, o que é completamente perceptível. Mas instigou quem tentou perceber a voz fora do que pode ser traduzido com ajuda de um dicionário: ao buscar o groove da música, mesmo sem saber como articular as palavras e o que elas significam, a voz da jazzista é um instrumento, que improvisa como um saxofonista ou trompetista estrangeiro que se esforça para cair em ritmos brasileiros. “Com certeza ‘deu bossa'”, diz o contrabaixista Bira, do programa do Jô e acompanhou o show com o saxofonista Derico Sciotti na terça-feira, em referência à expressão “deu samba”. “A simplicidade do baixo e o batera, de leve, o swing na guitarra… É muito difícil tocar bossa, mas com certeza ‘deu bossa’.”
“Eu acho que a situação é inversamente proporcional se você estivesse no Carnegie Hall ouvindo o Jobim cantar ‘Garota de Ipanema’ em inglês”, diz Derico. O problema, avalia, foi a timidez de Diana nessa música. “Até a gente entender, como no meu caso, que ela estava tentando cantar em português e deixar de achar a situação inusitada, a música acabou. Eu achei mais inusitado que bonito. Ela foi tímida, essa música foi curta, diferente das outras em que ela se soltou como ‘Under My Skin’ e ‘How Can You Mend A Broken Heart’, gravada pelos Bee Gees, ou ‘Corcovado’, em inglês. ‘Esse seu olhar’ parecia uma prova”, lembra, ao comentar que ela mesma havia dito ao público antes que tocaria uma música que os brasileiros conhecem mais do que ela.
Em bate-papo na quarta-feira com a imprensa, Diana respondeu, por e-mail, que a musica, assim como a maioria das composições de Jobim, instigam a sua imaginação. O mesmo que disse em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, publicada no dia 4 de setembro. “Eu costumava cantar essa música na minha cozinha. Quando a gente não conhece uma língua, busca um feeling similar, cantarola”, disse. “Eu quis registrar essa vontade de encontrar o sentimento da música, mas peço desculpas a vocês pela ousadia, não falo nada de português”, concluiu.
Nos shows em Brasília e no Rio, Diana será acompanhada pelo guitarrista Anthony Wilson, o baterista Karriem Riggins e o contrabaixista Robert Leslie Hurst. Fica uma sugestão para Diana: permitir-se sentir, sem timidez, a malandragem que esconde o romantismo desse nosso olhar brasileiro.