Apesar de alguns deslizes, a minissérie sobre JK teve um bom início

Tambores rufando. Juscelino Kubitschek se prepara para tomar posse como Presidente da República em 31 de janeiro de 1956. No caminho, a multidão acena e uma generosa chuva de papel picado é focalizada do alto para mostrar o impacto da bem-cuidada direção de fotografia, assinada por Ricardo Gaglianone. Mas logo a cena, pincelada por nuances pálidas, dá lugar à vibração dos tons quentes do interior de Minas Gerais no início do século passado. Juscelino volta no tempo com suas recordações e começa a, literalmente, contar sua história bem no estilo "Era uma vez…". A narração em "off" é de José Wilker, que vive JK na maturidade. O recurso, tantas vezes utilizado no cinema e na tevê, chega a dar a sensação de "déjà vu", mas, diante das pertinentes atuações do núcleo principal e da dinâmica direção de Dennis Carvalho, começa a trazer um colorido ufanista à infância do então pequeno Juscelino Kubitschek.

Uma das gratas surpresas deste início da trama de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, que teve a satisfatória audiência de 37 pontos de média, 6 a mais que Mad Maria na mesma época em 2005, é a cuidadosa composição de Fábio Assunção no breve papel de João César, caixeiro viajante e pai de JK. Mais surpreendente ainda é a afinação do ator entoando uma canção no alto das pedras, à beira de um rio, uma paisagem típica do norte de Minas. A delicadeza dessa e das outras cenas que contaram a trajetória da infância e adolescência de Juscelino tratou de seduzir os notívagos do horário, entremeadas por diálogos ágeis e cortes precisos. Sem muita "encheção de lingüiça", como diria um mineiro.

A produção de arte mostra uma preocupação evidente em retratar, através dos quase despercebidos utensílios, a escassez de recursos da família Kubitschek de Oliveira, sabiamente encabeçada pela severa e amorosa Dona Júlia, de Júlia Lemmertz. Apesar de a trama mal mostrar o envelhecimento da personagem, que, ao longo de 20 anos, praticamente só prendeu os cabelos, a atriz, de tão à vontade com a personagem, tem transmitido docilidade e firmeza na medida certa. Nem o tom da trama, que muitas vezes alcança a tênue fronteira do didatismo, como em uma aula de História, consegue ofuscar a suavidade da atriz.

Igualmente aprazível é a simples e eficiente abertura de Hans Donner, que retrata com fidelidade a aparente despretensão da trama, que conta com mais de 100 cenários ao todo. Tamanha quantidade pode ter sobrecarregado a cenografia de Mário Monteiro. Apesar da bela reconstituição de época, detalhes minuciosos, como um telhado bem novinho num sobrado do fim do Século XIX, conseguiram passar despercebidos num primeiro capítulo. Nada que não se possa relevar diante do tempero das cenas "calientes" do Coronel Licurgo, de Luís Melo, com uma mucama. Nesse horário, seria pueril demais mostrar apenas lições ufanistas e deixar de lado as saliências e os "pecados da carne", tão apreciados, principalmente por Juscelino, que a trama, por respeito à família do presidente, trata de uma forma bem superficial. Afinal, depois que Juscelino se casa com a determinada e geniosa Sarah Lemos, ainda se apaixona mais algumas vezes, o que não chega a abalar os alicerces daquela família mineira.

Na carona de um quase moralismo, a minissérie, por vezes, se revela maniqueísta, com personagens extremamente maus, como o próprio Coronel Licurgo ou a "Pollyana" Naná, de Juliana Mesquita. No meio dos extremos, o bom ritmo que costura as passagens de época consegue camuflar cenas que poderiam ficar de fora por pecarem pelo exagero, como o incêndio da casa das atrizes no período da gripe espanhola, no primeiro capítulo. Mas a fartura de boas atuações compensa os deslizes da versão poética da trajetória do presidente Bossa Nova.

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