Apesar do aniquilamento de diversas sociedades indígenas, relatado pela história, muitas culturas, “supostamente em desaparecimento, estão, ao contrário, presentes, ativas, vibrantes, inventivas, proliferando em todas as direções, reinventando seu passado, subvertendo seu próprio exotismo, transformando a antropologia tão repudiada pela crítica pós-moderna em algo favorável a elas, “reantropologizando’…” (Bruno Latour citado por Marshall Sahlins, Revista Mana, V. 3, p. 52, 1997).
Não se está aqui negando que existiram extermínios de índios nem que eles foram maltratados e privados de seus territórios. A realidade presente está ai para quem quiser conferir. O livro Brasil: uma história a incrível saga de um país (2003, p. 25), de autoria do jornalista Eduardo Bueno, constata o drama em que vivem os índios Avá-Canoeiro no Tocantins. Somente uma relação incestuosa possibilitará a salvação destes índios do extermínio. Em 1750, somavam mais de três mil, hoje não passam de dez. Entre essa única e última dezena de sobreviventes, apenas o garoto Trumack (nascido em 1987) e a menina Potdjawa (de 1989) podem ter filhos, só que eles são irmãos. Entre os Avá-Canoeiro a pena para o incesto é a morte. “O dilema dessa tribo é exemplar: haverá para os índios do Brasil futuro que não seja perverso?”
Apesar de tão bem retratar a realidade indígena dessa sociedade, é lamentável que os índios sejam tratados pelo autor como seres passivos, sem exercer nenhum papel, sem nenhuma iniciativa. Não se contradiz, por exemplo, que os portugueses invadiram o espaço dos índios e propiciaram maltratos, por intermédio das doenças (varíola, gripes, sarampo) e pelo extermínio (pela dinâmica da “civilização” e pelas guerras intertribais, impulsionadas em sua maioria pelos colonizadores). Pergunta-se: por que alguns autores falam tão pouco do índio como sujeito de sua história e capaz de inventar estratégias para conviver com os não-índios?
O antropólogo Carlos Fausto (2001), que escreveu Inimigos fieis: história, guerra e xamanismo na Amazônia, faz uma crítica contundente a todos aqueles que, ou tratam os índios como “selvagens, ranzinzas e agressivos”, ou como “homens pacíficos e defensores da natureza”. “Tanto a bondade natural quanto a bestialidade serviram aos propósitos dos colonizadores: a violência para justificar a guerra de conquista e a escravidão” (p. 21). Alerta para a necessidade de recusar tanto a vitimização redentora quanto a culpabilização demonizadora para que se possa construir uma “relação menos assimétrica com os habitantes originais desse país, relação baseada em certos valores capazes de fundar um espaço social de direito, diálogo e paz”. (p. 22).
Cada vez mais, como afirma Adolfo Neves de Oliveira (Anuário Antropológico/98, 2002, p. 112), “os povos indígenas no Brasil têm-se colocado frente ao Estado insistentemente como sujeitos em um processo de diálogo com o Estado, por oposição a um indigenismo (de Estado) que, ainda mais insistentemente, procura colocar-se como interlocutor único e unilateral dos índios tomados então enquanto objeto de sua ação.
É evidente que os índios ganham novos espaços na sociedade ocidental, mas em algumas esferas esse espaço ainda é muito limitado. “De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), dos 400 mil indígenas, apenas 1,3 mil (0,32%) conseguiram ingressar em um curso universitário. No caso da pós-graduação, o índice se reduz ainda mais. Há somente o registro de dois indígenas em cursos de doutorado”. (O Estado do Paraná, 18 de setembro de 2004, p. 10).
No entanto, surgem iniciativas de algumas instituições, como é o exemplo do que ocorre na Universidade Federal do Paraná. Aos 11 de maio de 2004, foi aprovada a criação de cotas para ingresso dos índios. Até 2009 a previsão é de 10 vagas. Cinco vagas extras para os vestibulares 2005/2006, sete vagas para 2007/2008 e dez vagas para os anos posteriores.
Desse modo, a fricção interétnica, definida por Roberto Cardoso de Oliveira (O trabalho do antropólogo, 1998) como o contato entre “grupos tribais’ e segmentos da sociedade brasileira, com características competitivas e algumas vezes conflituosas, ao invés de colocar os índios em desvantagem porque dá a impressão de que permaneceram passivos, mostra o outro lado da moeda, a sua ação dinâmica (Carlos Rodrigues Brandão, Identidade e etnia: Construção da pessoa e resistência cultural, 1986).
Como ocorre em outras universidades do Estado, o convívio com representantes das sociedades indígenas traz a possibilidade de maior compreensão da diversidade cultural.
Jorge Antonio de Queiroz e Silva
é pesquisador, historiador, professor. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.