Cena do filme de Walter Salles: declaração de amor à América Latina. |
Berlim – Talvez venha a ser o momento mais emocionante deste festival que acaba de começar. Já que Diários da Motocicleta, de Walter Salles, não participa do 54.º Festival de Berlim, a organização do evento trouxe para o Panorama o documentário Travelling with Che Guevara. Na verdade, é o making of feito por Giani Minà. O Brasil ainda comparece com O Outro Lado da Rua, de Marcos Bernstein, Contra Todos, de Roberto Moreira, Fala Tu, de Guilherme Coelho e Natanael Lécléry e o curta Truques, Xaropes e Outros Artigos de Confiança – todos na mostra Panorama.
Alberto Granada, que acompanhou o jovem Ernesto Guevara na sua viagem de descobertas da América Latina, no começo dos anos 50, é o personagem principal do documentário, mas o filme traz depoimentos importantes do diretor Salles e do ator Gael García Bernal, que faz o futuro revolucionário. Vieram, para o encontro com os jornalistas, após a exibição, o diretor Minà, o próprio Alberto Granada e Ernesto Guevara, o filho do Che.
Pelo documentário, pode-se antecipar que Diários da Motocicleta é a declaração de amor que Walter Salles faz à América Latina. No seu depoimento, ele conta que teve vontade de fazer seu filme por causa desses jovens que fazem uma viagem de iniciação, mas principalmente porque a iniciação é a esse continente marcado por desigualdades trágicas, mas tão rico culturalmente.
“George W. Bush quis fazer crer que a América Latina não é importante, mas é sim, e mais ainda para nós, que somos latinos.” Há muita coisa em Travelling with Che Guevara, mas talvez seja melhor não saber porque pode tirar a graça de descobrir Diários da Motocicleta. Mas é um belo trabalho, com uma trilha sonora magnífica.
Alberto Granada chegou no fim da sessão – um velhinho frágil, carregado pelos assessores da seção Panorama como se fosse um bibelô. Todo cuidado era pouco, mas se Granada transmite fragilidade física, a mente é lúcida e o raciocínio, rápido. Ele não consegue definir no quê, exatamente, pode ter influenciado o Che. “Sentia-me um pouco como responsável por Ernesto, porque sua mãe, quando partimos na nossa viagem, me pediu que trouxesse seu filho a salvo. O que mais posso dizer? Mudamos muito naquela viagem. Adquirimos uma nova visão do que era ser latino. Espero que o filme tenha o mesmo efeito para o público. Gostaria de acreditar que as pessoas serão diferentes depois de ver Diários da Motocicleta e Travelling with Che Guevara.
Nostalgia
Talvez seja um filme para nostálgicos de esquerda, aqueles sonhadores que não desistiram de mudar o mundo, de lutar por justiça social. Do filme e do documentário, Granada diz que tira uma lição que já sabia, da vida. “Ernesto (Che Guevara) tinha uma inquietação muito grande. Era destemido sem ser herói, porque o heroísmo não tinha sentido para ele. Era tão grande que tudo ficou pequeno para ele. A América Latina, Cuba, a revolução. Ernesto morreu de sua grandeza.”
Ernesto filho admitiu que não é fácil carregar o peso da consciência e da responsabilidade da origem. Seu pai virou um dos grandes ícones do século passado. “É um peso, mas o carrego à minha maneira, tentando fazer coisas que não envergonhariam meu pai.” E ele diz algo muito forte: “Meu pai teve uma importância extraordinária para toda uma geração. Virou um símbolo. Penso, sinceramente, que posso ser filho biológico, mas existem muitos outros, milhares, que são filhos ideológicos. Somos todos irmãos, nós, os filhos do Che”.