Paulo Venturelli. Doutor em Literatura pela Universidade
 de São Paulo.

Um escritor e um crítico literário ?como outro qualquer?. Assim se auto-define o curitibano Paulo Venturelli. Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP), professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), já com 17 livros publicados, ele diz que continua dando ?marretada em ponta de faca?. Sobre ele mesmo, Venturelli se diz ?angustiado com a própria literatura, procurando fugir dos estereótipos e do realismo trivial?. Sobre a literatura curitibana, como um todo, ele diz que é boa, mas pouco conhecida.

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Prestes a lançar o novo livro, A Morte – de poemas em prosa, pela Editora Sete Letras -, Venturelli falou sobre a produção literária local: das obras, dos autores e dos leitores de Curitiba. Confira a entrevista desta semana, para O Estado.

O Estado: O que dizer sobre a literatura curitibana: a antiga, a de renome e a nova geração?

É uma literatura desigual, como qualquer literatura, de qualquer lugar do Brasil. Tem bons nomes que despontam em Dalton Trevisan até Cristóvão Tezza, Wilson Bueno e Lucy Collin. Na nova geração, Paulo Sandrini, Otto Leopoldo Winck, Lindsey Rocha, são pessoas que fazem uma literatura mais inquieta, uma literatura que busca outros parâmetros e não se veicula a modelos tradicionais, mas, por sua vez, procura fazer um texto mais subjetivo, um texto que tenha uma investidura na própria carpintaria textual.

São escritores que têm uma tonalidade de vanguarda, que querem inovar a tessitura do texto e, com isso, conseguem fazer uma literatura bastante interessante. É uma geração nova ainda com poucos livros publicados, mas uma geração já marcante.

O Estado: Qual é a melhor safra de obras curitibanas?

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Acho que os anos 70 foram ricos. Apareceram muitos poetas nessa época. Houve a famosa geração da sala 17, na qual eu me incluo também. Éramos 17 poetas que nos reuníamos em uma sala, na Católica (PUC), para discutir poesia e teoria poética e, a partir daí, surgiu a idéia de montar um livro chamado Sala 17. Foi um livro de muita repercussão na época. Reunia 17 autores, depois o grupo se engrossou e publicou outros livros, como Sangra Cio, que o Paulo Leminski fazia parte, mas ainda não era um nome nacional como se tornou depois.

Publicaram também outro livro chamado Reis magros. Foi uma geração bastante produtiva. Depois houve a carreira mais solitária de Cristóvão Tezza. Ele fazendo seus primeiros livros, como ele mesmo diz, ainda como escritor aprendiz; fazendo uma literatura provisória. Ele ainda não havia atingido a qualidade e a maestria que ele atingiu agora com o último romance O filho eterno, uma obra-prima; um dos maiores livros de todos os tempos do Brasil; um livro que é um marco na literatura paranaense e brasileira. Temos outro poeta, de uma geração posterior, o Ricardo Corona, que faz uma literatura ligada mais às tecnologias, que tem uma poesia de peso e bastante vanguardista. É uma série de nomes, de uma literatura que tem força e tem pujança naquilo que faz.

O Estado: A literatura curitibana tem uma cara, segue a uma forma?

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Não. É uma literatura urbana, como é grande parte da literatura brasileira atual. Uma literatura ligada às questões da vida urbana – como violência, sexualidade, drogas, perplexidade diante do mundo, busca de superar o vazio do cotidiano, procura de uma linguagem que estabeleça um novo parâmetro para a própria literatura.

O Estado: O senhor mesmo diz que ?a literatura é alimentada pela literatura??

Não sou daqueles que acreditam que seja o mundo real que alimenta a literatura. O mundo real é muito pobre, mesquinho, muito vulgar. Acredito que os escritores criam um discurso sobre o real, através da sua literatura. É lendo que os autores se nutrem de veios poéticos e artísticos para escrever seus textos. Por isso eu digo que é a literatura que alimenta a literatura, através de relações dialógicas, como o livro do Wilson Bueno (A copista de Kafka) agora, que tem relação com o mundo do Kafka. Os escritores, é lendo que conseguem reunir um arsenal poético para elaborar sua própria obra.

O Estado: O que estaria faltando para incentivar a produção literária e para a literatura de Curitiba dar seu grande salto?

Falta editoras que dêem conta de publicar os autores novos, os autores consagrados e criar, aqui em Curitiba, um ambiente mais literário, em que os escritores possam se encontrar mais. Falta uma livraria com características especiais de encontro dos intelectuais, de leitores e escritores. Falta eventos oficiais na cidade, que promovam desde escritores consagrados até escritores que estejam começando. Quando há esses eventos literários aqui em Curitiba, normalmente se convidam autores de fora e os autores que estão começando, os que já estão no meio do caminho, os que já têm nome, normalmente não têm muito espaço. Falta apenas iniciativas que dariam mais visibilidade à literatura paranaense, à literatura curitibana.

O Estado: Até agora falamos das obras e dos escritores, mas como o senhor vê o leitor paranaense?

É um leitor mediano, como o leitor brasileiro de maneira geral. Porque não havendo divulgação dos nossos autores, esse leitor não conhece os nossos autores. Quando ele vai a uma livraria ele está submetido àquilo que os grandes veículos da mídia dizem, normalmente publicam resenhas, entrevistas, de quem já tem nome. É a mesmice sempre. Há uma espécie de máfia funcionando na literatura. Dificilmente há espaço para o que há de novo e nesses grandes órgãos de imprensa há muito espaço para os autores estrangeiros. Então são esses que acabam sendo introjetados na cabeça do leitor. Quando ele vai à livraria, procura esses nomes e não o leitor daqui que ele nem chega a conhecer. A falta de referencial para os autores daqui é uma falta de estrutura e de promoção da própria cidade.