Eduardo Sued inaugurou a galeria Mul.ti.plo, no Leblon, no fim de 2010, numa mostra dividida com a pintora paulistana Celia Euvaldo, uma de suas interlocutoras na arte contemporânea. De lá para cá, saíram anualmente de seu ateliê em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, peças para outras três exposições, entre pinturas, objetos e colagens.
“É o único artista que expôs na galeria todos esses anos. É absolutamente comovente ver seu trabalho no ateliê, onde ele parece ainda mais jovem. Quando fico quatro ou cinco meses sem ir, ele me chama e diz ‘olha uma novidade!’. Visito ateliês de artistas jovens e não vejo isso”, relata Maneco Müller, marchand de Sued.
Ágil, falante, galanteador e singular, o pintor aparenta 20 anos menos do que diz a idade cronológica, 90. Mostra as telas com entusiasmo e graça, fala com naturalidade da longevidade artística e de sua pesquisa inesgotável sobre cores. A simplicidade, de formas e tons, é dominante, explica, apontando também para um elemento novo: linhas diagonais, onde até então só existiam ângulos retos. São desdobramentos dos objetos de madeira nos quais também experimenta suas oposições cromáticas.
O olhar do visitante tenta decifrar as sobreposições de cores, qual está no fundo e qual vem na frente, o que há por trás dos tons e semitons profundos e abertos. Mas nem sempre a resposta é clara. Numa mesma tela, observam-se três cinzas diferentes; noutra, distinguem-se dois pretos; mais adiante, vermelhos que nunca haviam sido usados se apresentam. Um dourado recente em seu rol de cores domina um trabalho realçado nas paredes.
Não há um ponto central para o qual a atenção seja direcionada. “Um tom vai valorizando o outro”, assinala Sued, que não sente necessidade de nomear as obras. “O que conta não é a cor, mas os subtons. A descoberta deles é permanente na vida do pintor, e a convivência entre eles vai mudando.”
O assombro com a sua vitalidade não o incomoda. “É natural que as pessoas fiquem surpresas. Mas nasci em 1925, de modo que basta fazer as contas… Eu me sinto bem, tenho apenas dificuldades nas costas. No ateliê, renasço. Assim eu vivo: tem a manhã, a tarde e a noite, e no dia seguinte as coisas se repetem.”
Colorista comparado a Volpi (1896-1988), Sued, filho de imigrantes sírios radicados na zona sul do Rio, bom desenhista desde a infância, começou a trabalhar como pintor em 1948, depois de três anos na Escola Nacional de Engenharia e abandonar o curso. Era um Rio ainda sem galerias, e o jovem frequentava livrarias para aprender sobre arte e ver exposições montadas entre as prateleiras.
Foi nessa época que estudou com o pintor Henrique Boese (1897-1982), alemão herdeiro do expressionismo e adepto de uma paleta de cores contrastantes que veio para o Brasil fugido da Segunda Guerra Mundial. Sued se iniciaria com aquarelas. “As cores me impressionam desde criança. Nunca esqueci de um brinquedo de filetes de folhas coloridas que as crianças deveriam trançar. Eu ficava entregue àquilo. Aí, aconteceu: sou pintor”, afirma-se.
Entre 1950 e 1951, empregou-se como desenhista no escritório de Oscar Niemeyer (1907-2012), que estava, então, envolvido com projetos como os do edifício Copan e do Conjunto do Parque do Ibirapuera. Além do arquiteto, outra companhia constante era a de Tom Jobim (1927-1994), companheiro de copo de Ipanema, bairro de ambos.
A primeira viagem a Paris, onde estudou e conheceu o legado dos renascentistas, impressionistas e modernos, foi pouco depois. Na volta, em 1953, montou seu primeiro ateliê e, em 1955, já participaria de um Salão de Arte Moderna, no MAM carioca. Em seguida, viria a se tornar professor de desenho, pintura e gravura.
A individual inaugural foi em 1968, com guaches, pinturas e aquarelas que já continham a geometria como elemento de destaque. Ao repertório iriam se somar ainda as colagens. Nos anos 1980, uma novidade: as telas ganharam bases mais claras, como rodapés que descontinuavam a verticalidade das cores. No fim da década, um outro dado: as pinceladas ficaram mais nítidas e ousadas – “o fato de estar pintando permanentemente fez com que as elas se tornassem autônomas, exigentes”, brinca ainda o artista.
“Até aquele momento, era preciso chegar bem perto dos quadros para percebê-las”, esclarece o crítico Paulo Sérgio Duarte, observador de décadas da trajetória de Sued. “Um leigo poderia achar que havia sido pintada à pistola, ou mesmo um crítico ou curadores, porque há críticos e curadores que são cegos”, ele provoca.
No ateliê de Jacarepaguá, no qual conta há 14 anos com a assistência do faz-tudo José Mendes, ex-porteiro de seu prédio entre Ipanema e a Lagoa Rodrigo de Freitas, o pintor está presente de segunda a sexta-feira, sempre no horário comercial. Ele dialoga com as obras. Mendes o leva de carro todos os dias até lá, ajuda com sua alimentação, limpa os pincéis, auxilia com os traçados retos.
O ofício é encarado como um chamado diário e irrecusável. “Pinto todos os dias, nasci dessa maneira. Não sei se é defeito ou não, mas estava escrito que eu deveria ser pintor”, acredita Sued. “Trabalho por necessidade, é como respirar. Faço para o meu prazer.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.