Às vésperas de completar 80 anos, Marilena Ansaldi ainda dança. Depois de um afastamento de mais de cinco anos – em 2008, ela anunciou oficialmente sua aposentadoria – a intérprete retorna aos palcos com Paixão e Fúria – Callas, o Mito.

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Homenagem a Maria Callas, a grande cantora lírica do século 20, o espetáculo que estreia nesta quinta-feira, 15, une as artes que marcaram a trajetória de Ansaldi: a dança, o teatro e a música. “Fui gerada na ópera, passei toda a minha infância no palco”, conta ela, filha do barítono italiano Paulo Ansaldi e da corista Maria Nazareth da Silva. “É como voltar a minha origem.”

A personagem título da montagem foi essencial para que a dançarina decidisse retornar à cena. Não apenas pelo talento profissional de Callas. Mas pela dramaticidade que imprimiu tanto ao canto quanto à sua vida. Uma história com rasgos de folhetim, repleta de glórias, sofrimentos e reviravoltas.

Com direção de José Possi Neto e coreografia de Anselmo Zolla, a obra reúne 20 bailarinos da Studio 3 Cia. de Dança. A intenção é repassar momentos que imortalizaram a soprano de origem grega. São lembrados os seus grandes papéis na ópera: em Norma, de Bellini, em La Traviata, de Verdi, e na Tosca, de Puccini. O roteiro, embora não tenha pretensões biográficas, também pontua a avassaladora paixão por Aristóteles Onassis, o magnata que depois a deixaria para se casar com Jacqueline Kennedy.

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Em cada uma das personagens que interpretou ao longo de sua carreira, Marilena Ansaldi diz nunca ter feito uma representação no sentido estrito do termo. “O que faço é pegar o espírito daquele artista, emprestar meu corpo e minha alma para torná-lo presente”, comenta.

Primeira bailarina do Teatro Municipal de São Paulo, Ansaldi partiu do País nos anos 1960 para a Rússia, convidada a ingressar no Balé Bolshoi. Ao regressar, não apenas persistiu no caminho que já havia trilhado. Foi adiante. O casamento com o crítico Sábato Magaldi abriu a possibilidade de concretizar um enlace entre dança e teatro, tornando-a uma precursora nessa confusão de disciplinas. “Sempre tentaram me rotular”, conta. “Querem saber se eu sou dançarina ou se sou atriz. Eu não tenho rótulo. Inventei a minha própria linguagem.”

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Por conta dessa invenção, Ansaldi passou quase 40 anos sem se unir a uma companhia de dança. Começou a produzir os próprios espetáculos, a escrever seus roteiros, a encenar obras nas quais o texto ocupava lugar central. “Eu tinha um medo imenso de falar”, relembra. “Mas agora, depois de falar muito, eu voltei a ficar calada. As palavras estão esgotadas.”

Em Paixão e Fúria os gestos detêm a primazia. Na cena inicial, o público acompanha o momento que antecede a morte de Callas. Em meio à agonia, ela ainda tenta cantar. Mas sua voz já havia se esgotado.

Até mesmo na trilha sonora, o canto de Callas é usado com parcimônia. Em meio aos trechos de ópera, entram títulos de Stravinski e Dvorak, além de composições originais de Felipe Venâncio, responsável pela direção musical. “Não queria impor a voz dela. A vida de Callas já é dramática o suficiente. Não era preciso sublinhar isso com a música”, observa Anselmo Zolla.

Sem uma narrativa linear, o espetáculo mistura épocas e sensações. “Concebi o espetáculo como se fosse um puzzle. Feito com passagens abstratas. Pedaços que vão, gradativamente, se juntando”, observa Possi.

Passada a cena da morte da diva, surgem as pompas fúnebres. A seguir, cinco movimentos que o diretor nomeia como “bailes”. Todos entremeados por memórias: uma síntese da Segunda Guerra, a hipótese de Callas teria se prostituído no período, o romance com Onassis. “Antes dela, as cantoras de ópera só cantavam. Callas mudou isso. A ponto de se tornar maior que as personagens que interpretou”, resume Possi.

Logo depois da temporada em São Paulo, a criação parte para Milão e Paris. Não é, aliás, a primeira vez que a companhia leva suas criações ao exterior. Outras parcerias entre Possi Neto e Anselmo Zolla, entre elas, Martha Graham Memórias e Samba Suor Brasileiro também foram vistas na capital francesa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.