Aos 72 anos e 48 de trabalho, Raul Cortez se espelha em personagem “de bem com a vida”

Raul Cortez não é do tipo que fica remoendo lembranças do passado. Aos 72 anos, o ator chega a achar engraçada a angústia das pessoas à beira dos 40 com quem convive. Mas admite já ter passado por isso. “Lá pelos 35, 36, você não tem mais 20 anos e está com pavor de chegar aos 40. Começa a olhar para trás e fica com medo de olhar para frente”, tenta explicar, aos risos. Para os que sofrem de males semelhantes, o autor considera o Barão de Bonsucesso, seu personagem em Senhora do Destino, uma bela lição. “Ele e a Baronesa não têm nostalgia. Divertem-se com o passado que tiveram e sabem que o presente é o importante”, justifica, tomado de admiração pelo papel.

Na pele do herdeiro do anacrônico título de nobreza, Raul se sente “fazendo uma celebração à vida”. Não só pela saudável aceitação da passagem do tempo, mas sobretudo pelo companheirismo na relação com a esposa, vivida por Glória Menezes. “Todos saem por aí procurando seus pares. Alguns têm sorte e passam boa parte da vida com eles. É o caso dos dois”, ressalta Raul, traduzindo a ternura na voz. Afora o lado romântico do personagem, o ator tem se divertido com seu tom cômico, ressaltado depois do improvável encontro com Giovanni Improtta, vivido por José Wilker. O “cargo” de “personal stylist” do “ex-bicheiro” aumentou o cuidado de Raul com a interpretação. “Acho difícil fazer comédia. Exige contenção, uma dosagem precisa. Senão, fica caricato”, opina.

Com 48 anos de carreira no currículo, Raul ainda se critica muito quando se vê no vídeo. Mas tem gostado de assistir a Senhora do Destino. Principalmente para conferir as atuações de Suzana Vieira, José Wilker, Renata Sorrah e Leandra Leal em personagens que julga os melhores da trama. Apesar de extremamente satisfeito com seu Barão, o ator confessa que ainda espera mais “intensidade” no reencontro com Aguinaldo Silva, de quem interpretou o bicheiro Célio Cruz em Partido Alto. “Ele confere uma marginalidade extraordinária aos personagens, percebe os lados escuros. Tomara que isso um dia apareça mais no Barão”, entrega, com a ansiedade de quem espera sempre mais do próprio trabalho.

Caminhos paralelos

Raul Cortez sempre se considerou um homem de teatro. Em quase 50 anos de carreira, já são mais de 50 espetáculos. Mas, desde que começou a fazer tevê, em 1966, o ator sempre dá um jeito de aparecer também na telinha. “Gosto de atuar, gosto muito do meu trabalho. No momento em que sou convidado e aceito fazer, me integro totalmente, seja no teatro, na tevê ou no cinema”, explica Raul. Entre seus personagens mais marcantes, ele destaca a estréia na Globo, em Água Viva, como o ricaço Miguel Fragonard, o bicheiro Célio Cruz, de Partido Alto, e os italianos Jeremias Berdinazzi e Genaro, de O Rei do Gado e Esperança, respectivamente. “Estes são os que ficaram mais fortes na minha lembrança”, justifica.

Lições de um ofício

Depois de se aventurar na produção de seus próprios espetáculos teatrais, Raul Cortez tem planos de enveredar em novos “papéis alternativos” na arte de interpretar. Um que deve se concretizar em breve é a direção de uma peça. Raul já está lendo um texto e confessa que tem gostado muito, mas não adianta nada sobre o projeto. “Os deuses são vingativos. Eles ouvem e aí não acontece nada”, justifica, achando graça da própria explicação.

Outro projeto, acalentado há anos, é a construção de um centro cultural, onde Raul pretende dar aulas de interpretação. Até hoje, a idéia vem sendo adiada a cada novo convite recebido para atuar na tevê ou no cinema. “Os convites são sempre tão bons que vou adiando todo o resto. Mas vai chegar o momento”, aposta. Para ensinar, no entanto, o ator ainda não se considera preparado. Ele acredita que é preciso muito mais do que saber atuar para se preparar outras pessoas para o ofício. “Primeiro, é preciso aprender a dar aulas”, determina Raul, que critica muito as pessoas que saem por aí “vendendo” aulas de teatro sem pensar na responsabilidade que isso acarreta. “Quando você ensina teatro, quer que as pessoas saiam de si próprias, façam um ato generoso de doação. Não se faz isso de qualquer jeito, por qualquer trocado que vai entrar para você no final do mês”, sentencia.

Trabalho

Sobre tantos anos fazendo tevê, o ator diz que há os pontos positivos e os negativos. “O que cansa não é a rotina de gravações, mas a perda da minha vida pessoal. Isso é muito grave e é a primeira coisa que vem à minha cabeça quando aceito um convite. Mas há momentos criativos que compensam tudo isso. Às vezes, quando estou em cena confabulando com a Glória, esqueço a longa espera, os momentos de energia não muito agradáveis que a gente recebe. Aí, quando termina o dia, digo que valeu a pena. Tenho dito isso muito nesta novela. É um personagem que me leva a dizer isso”.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo