Carlos Vereza é um ator à moda antiga. Daqueles que buscam uma função social para os trabalhos que faz. E foi daí que veio o interesse em fazer o político corrupto Ademar de Começar de Novo. Para o ator, foi a possibilidade de retratar o comportamento antiético de muitos políticos brasileiros. Vereza, ele mesmo admite, gosta de carregar bandeiras e as carrega explicitamente desde os anos 60s, quando se filiou ao Partido Comunista Brasileiro. ?Eu vejo o Brasil imerso em uma grande onda de populismo e o Ademar é o típico produto disso. Infelizmente, tipos como ele não são raros?, lamenta o ator de 66 anos. A contundência de suas opiniões é quase surpreendente diante da postura tranqüila e serena que mantém.
Vereza tem consciência de que o simples fato de uma novela mostrar um político inescrupuloso, além de não ser nenhuma novidade, é muito pouco para gerar uma mudança concreta no status quo da política brasileira. Mesmo assim, ele ainda fica indignado com o fato de os telespectadores o abordarem nas ruas e não demonstrarem nenhum tipo de aversão às atitudes desonestas do Ademar. ?É incrível como lidar de forma ilegal com o dinheiro público e levar vantagem em tudo já não causa absolutamente nenhum espanto?, constata. Segundo o ator, o público prestou mais atenção e refletiu mais sobre o comportamento dos políticos quando ele interpretou o íntegro e honesto senador Caxias em O Rei do Gado, justamente por se tratar de uma avis rara, como define Vereza.
Final mais realista
Numa tentativa de provocar algum espanto ou discussão através de seu personagem, Vereza chegou a propor para o autor Antônio Calmon um final para Ademar que saísse dos tradicionais desfechos dados aos vilões, como morte ou cadeia. O ator sugeriu que ele apenas fugisse com uma enorme mala de dinheiro para algum paraíso fiscal. ?Não é isso que acontece? Quem disse que colarinho branco vai preso? Pelo menos, ficaria mais realista?, ironiza.
Para tentar fugir da caricatura de vilão, Vereza optou por enfatizar uma suposta serenidade em Ademar expressa, principalmente, através do tom de voz do personagem, em geral tranqüilo e ponderado. ?O Ademar já é vilão. Se gritar, brigar? fica previsível. Ele fala as maiores atrocidades de uma forma muito natural?, frisa. O ator revela ainda que procura dar uma pitada de humor ao personagem, em especial quando contracena com Rosário, de Rosane Gofman, e Mérilin, vivida por Bel Kutner. ?Embora uma raposa na política, o Ademar é ingênuo com as mulheres e a ingenuidade, em geral, acompanha o humor?, justifica.
Pouca ação
Nem mesmo os tropeços de Começar de Novo parecem abalar Vereza. A novela já sofreu várias modificações e tem recorrido a novos personagens para tentar aumentar a audiência, que raramente ultrapassa a média de 30 pontos. O experiente ator garante que isso não influencia em nada sua interpretação e nem diminui seu entusiasmo com o personagem. O ator considera que dar vida a Ademar está sendo um ótimo exercício de interpretação, pois o personagem é muito passivo e tem pouquíssimas ações externas, o que exige muito mais de um ator, segundo Vereza. ?O Ademar passa o tempo todo ouvindo ou falando. Ele não tem cenas de ação, como correr de carro ou colocar uma bomba num prédio…?, avalia.
Uma paixão que começou por acaso
O primeiro contato de Vereza com um papel foi completamente despretensioso. Quando adolescente, ele estava jogando futebol na quadra de um clube quando uns colegas o chamaram para entrar em uma peça, que estava sendo encenada no teatro do clube, no lugar de alguém que havia faltado. ?Fui irritadíssimo. Estava gostando do meu jogo?, recorda, aos risos. Mas bastou isso para ele se encantar pela profissão.
Tempos depois, virou-se para a mãe e disse que queria ser ator. A primeira providência foi ir até as redondezas da TV Tupi, no prédio do antigo Cassino da Urca, Zona Sul do Rio de Janeiro. Ele ficou algumas horas em frente aos estúdios até que passou um diretor muito nervoso reclamando da falta de um figurante para fazer um comercial. Vereza não pensou duas vezes e se ofereceu para participar. ?Fiz o anfitrião. Ficava esperando um grande convidado que era um aparelho de tevê?, diverte-se. O diretor gostou do trabalho de Vereza e o contratou.
Há 15 anos, no entanto, Vereza quase teve sua carreira interrompida durante dois anos por um acidente de trabalho. Durante as gravações de Delegacia de Mulheres, um tiro de festim foi dado muito próximo ao rosto do ator e afetou gravemente seu ouvido. Vereza teve labirintite e caiu em profunda depressão . ?Achei que nunca mais voltaria a ser ator?, admite. Ele garante que só conseguiu se curar após freqüentar o Lar de Frei Luiz, um centro espírita no Rio de Janeiro. Agora, com 46 anos de carreira, Vereza tem um apetite de menino em relação à profissão. O ator emendou a minissérie Um Só Coração, onde viveu o judeu David, com Começar de Novo e já planeja o que fazer após o fim da novela. ?Pretendo dirigir a peça infanto-juvenil, E o Vento Contou, escrita pela minha filha?, revela.
Flautista por insistência
# Carlos Vereza é apaixonado por música e aprendeu realmente a tocar flauta por insistência dos colegas de elenco da novela Cavalo de Aço. ?Eu só tocava Asa branca. Ninguém agüentava mais. Eu estava enlouquecendo as pessoas?, relembra.
# Os livros são outra paixão do ator. Ele tem uma biblioteca com cerca de 1.400 volumes. ?Sou um leitor feroz. Adoro Teologia e História?, revela.
# Como Ademar só usa terno e gravata, Vereza sofreu para gravar as cenas externas em pleno verão carioca. ?Outro dia, gravei um comício e terminei a cena tonto de tanto calor?, conta.
# Segundo Vereza, o personagem mais marcante da sua carreira foi o Miro, de Selva de Pedra, por se tratar de um vilão extremamente carente e conflituoso. ?Na época, inventei a gíria ?amizadinha? para chamar as pessoas. Pegou. Todo mundo falava?, recorda, todo prosa.
