Luiz Alves Junior foi padeiro até os 22, quando resolveu investir em casas de madeira. Seus clientes eram basicamente estivadores e doqueiros do Porto de Santos, mas veio o golpe militar, a maioria foi presa e ele quebrou.
Com a ajuda do cunhado, conseguiu um emprego numa padaria em São Paulo – a de seus pais, em Santos, havia sido demolida anos antes para a abertura de avenidas. E, quase simultaneamente, com a ajuda de seu padrinho de casamento, ele entrou no mundo dos livros. É aí, em 1969, ao lado de Raimundo Rios, então dono da distribuidora Catavento, que essa história começa.
Seu Luiz, como é chamado, visitava livrarias em São Paulo para vender títulos da Globo de Porto Alegre, mas queria mais – e foi atrás de outras praças. Caixeiro-viajante, percorreu o Brasil e conheceu profundamente o negócio do livro, o que o prepararia para o que estava por vir.
Ainda com Raimundo, na virada da década de 1960 para 1970, iniciou a Farmalivros – que, em suas palavras, foi “um divisor de águas no mercado editorial brasileiro”. A empresa vendia livros em qualquer lugar que não fosse uma livraria: farmácias, postos de gasolina, salão de beleza, táxi. Um mercado novo que exigia uma logística organizada. Mais experiência para seu currículo.
Já sabendo como se vendia livro, ele quis fazer livro. E lá se vão quase 45 anos desde a fundação, em outubro de 1973, da Global.
A memória deste editor de 75 anos, filho de portugueses analfabetos que progrediram por causa de trabalho, exemplo que seu Luiz, formado apenas em panificação francesa, seguiu à risca, revê cada um dos momentos-chave de sua vida entre livros. Orgulhoso de cada uma de suas conquistas, ele vai narrando a trajetória de sua editora nesta entrevista concedida no belo casarão da Rua Pirapitingui, no bairro da Liberdade, construído em 1891, residência de Ramos de Azevedo e de sua família por várias décadas, comprado e restaurado pelo editor e sede da Global desde 1995.
Tudo começa com Adelaide Carraro (1926-1992) e seu Submundo da Sociedade, que saiu com a impressionante tiragem inicial de 20 mil exemplares. Àquela época, a Global contava com a distribuição da Farmalivros – e esse foi um empurrão e tanto para a consolidação da editora.
Depois, vieram outros dois ‘malditos’: Cassandra Rios (1933-2002) e Plínio Marcos (1935-1999). Com a chegada do moçambicano José Carlos Venâncio, que se tornou sócio e editor, o catálogo foi se fortalecendo na área de sociologia com a edição de Marx, Lenin, Stalin, Mao e Rosa Luxemburgo. Alguns anos, sete inquéritos policiais militares e muitos livros vendidos clandestinamente depois, era hora de olhar para a literatura brasileira.
Chegaram Ignácio de Loyola Brandão, João Carlos Marinho e Cora Coralina (1889-1985). E seu Luiz decidiu que a Global seria a editora exclusiva dos grandes escritores brasileiros.
Em 2011, surpreendeu o mercado com o anúncio de que devolveria a obra de Cecília Meireles (1901-1964) às livrarias. Por causa de uma briga entre herdeiros, ela estava havia muito tempo fora de catálogo. E como ele conseguiu? “Foi sem problemas, sem problemas”, minimiza. “Cheguei falando assim: Eu me chamo Luiz Alves, meu pai se chamava Luiz Alves, era português e tal. Não quero vê-los. Se vocês querem brigar, podem brigar, mas quanto vocês querem? ‘Pau’. Como querem que eu pague? ‘Pau’. Não teve problema nenhum.”
O contrato acaba de ser renovado e, desde 2012, a Global reeditou 40 títulos da autora de Romanceiro da Inconfidência, publicou o inédito Diário de Bordo e duas novidades para os jovens leitores: Os Pescadores e as Suas Filhas e Cecília Meireles – Crônicas. Com 277.675 exemplares vendidos, Ou Isto ou Aquilo seria o best-seller de Cecília, e o segundo título mais vendido da casa, se não fosse a megavenda de 1,6 milhão de exemplares de O Menino Azul, também dela, para a campanha Leia Para Uma Criança, do Itaú, no ano passado.
“Uma das piores coisas que você pode tolerar e administrar são os herdeiros”, diz o editor. Mas ele não se intimida. Com Cecília Meireles vieram Manuel Bandeira (1886-1968) e Orígenes Lessa (1903-1986). Antes deles, João Carlos Marinho, o primeiro e autor do livro mais vendido (O Gênio do Crime, 355.463), Cora, Câmara Cascudo (1898-1986) e Gilberto Freyre (1900-1987). Depois, Darcy Ribeiro (1922-1997), Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012) e, na semana passada, Rubem Braga (1913-1990). O autor mais difícil de levar para a editora? “Vai ser o próximo.” E mais ele não pode dizer.
Uma hora ele ganha; na outra, perde. Perdeu Plínio Marcos depois de sua morte. E Mário de Andrade, segundo ele, pela falta de visão do herdeiro. “A maior oferta em dinheiro era minha, mas ele achou que eu não tinha um plano de marketing para vender os livros. Falei que Mário de Andrade não precisava de ação de marketing para vender, precisava de trabalho. Ele não está sendo adotado em escolas e universidades por falta de trabalho.” Ele conta ainda que ganhou o direito de publicar Gilberto Freyre – Casa-grande & Senzala, com 134.577 é o terceiro best-seller – com a menor oferta em dinheiro.
O segredo da Global, ele diz, é saber vender. Em 2017, a casa, que tem 65 funcionários e cerca de 1.200 títulos em catálogo, comercializou 6 milhões de exemplares e faturou aproximadamente R$ 60 milhões. O forte das vendas é para o governo (45%). As livrarias aparecem em segundo lugar com 30% e outros projetos, que incluem importantes parcerias com o Instituto Ayrton Senna e com a Ação Educativa, 20%.
Sua estratégia de divulgação é focada no professor, e este é outro segredo. “Somos como um laboratório químico. Doamos cerca de 9 mil livros por mês para professores. Aquele remédio de amostra grátis que o laboratório dá aos médicos? É a mesma coisa. O professor é o único elo para multiplicar leitores”, diz. A Global tem profissionais em 17 capitais fazendo esse trabalho.
Outro motivo que faz o autor chegar e ficar, comenta-se nos bastidores, é o acerto sempre em dia. “Luiz vende, Luiz paga, essa é a minha fama. Graças a Deus”, diz, erguendo as mãos para o céu. Os autores ainda não sabem, mas a Global está desenvolvendo uma plataforma por onde será possível acompanhar, em tempo quase real, a venda de seus livros.
Novos nomes continuam chegando e os projetos não param. Um dos principais ilustradores brasileiros, Roger Mello lança seis títulos pela Global este ano, entre o inédito Clarice e outros publicados por outras editoras. Isso sem contar as cerca de 10 reedições de Rubem Braga, títulos de Mário de Andrade e Serena Loucura, romance inédito de Ignácio de Loyola Brandão. Pela Nova Aguilar, editora adquirida em 2014 e que lança obras completas de grandes autores, estão previstos para boxes de Aluísio Azevedo, Manuel Bandeira e Dostoievski. Para 2019, quando entra em domínio público, o leitor pode esperar um volume especial de Monteiro Lobato, garante o editor.
Aliás, seu Luiz não se considera um editor. “Não sou e nunca fui. Sou um empreendedor de livros. Meu negócio é vender livros.” E ele acredita no futuro. “Livro dá dinheiro. Educação dá dinheiro. O Brasil é enorme e o potencial é enorme se pusermos a coisa um pouquinho no trilho, se distribuirmos um pouco a riqueza. Nosso mercado ainda não descobriu o Brasil.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.