Beatriz Toro tinha 11 anos quando escreveu seu primeiro livro. Criou o pseudônimo Beatrice Ivelynn, escritora nascida numa cidadezinha inglesa em 1981 e que morava em São Paulo com o marido brasileiro, uma gata e um cachorro, não porque era muito nova para se apresentar como a autora. “Percebi que, no mundo mais comercial, as pessoas, pelo menos as que eu conhecia, se interessavam mais por livros de autores estrangeiros. E, como eu realmente gostaria que as pessoas lessem o meu livro, imaginei que seria mais fácil e viável inventar uma personagem. Minha professora ficou orgulhosa e disse que eu tinha criado um heterônimo, como Fernando Pessoa”, explica a garota, hoje aos 14 anos e com Dimensões Mágicas, aquele seu livro de estreia, já nas livrarias.
A obra acompanha quatro bruxos bons e adolescentes, que fazem parte de uma profecia para salvar todas as dimensões mágicas. Há romance, para agradar às meninas, ela conta. E guerra, “porque todo mundo gosta de uma guerrinha”. Os personagens vivem várias aventuras e conflitos na escola e na família, fazem amigos e inimigos. Apesar de tê-la escrito quando era criança, Beatriz diz que ainda gosta dela: “Vai ficar no coração para sempre. O primeiro livro, os primeiros personagens. Ainda penso na Aisha como se fosse uma parte de mim, mas uma parte mais legal. Eu poderia me espelhar nela.”
Tudo começou porque a autora tinha lido, àquela época, o primeiro volume da série Os Familiares, de Adam Jay Epstein e Andrew Jacobson. Gostou da ideia de magia e animais mágicos e decidiu criar sua própria história. “Fazia um tempinho que eu estava tentando decidir o que eu ia fazer da minha vida e o livro foi o estopim. No início, eu não pensei em publicar; só achei que seria divertido escrever uma coisa minha. Na metade, pensei que eu poderia virar uma escritora de verdade”, relembra.
O tempo passado jogando no computador foi dedicado à página em branco e ao enredo sobre o qual pensava o dia todo. Juntou algumas economias e pediu para a mãe comprar um computador só para ela. Aprendeu a digitar rápido e, seis meses depois, estava com o livro pronto.
A família chegou a procurar a Companhia das Letras para publicar o livro da escritora precoce. “Eles leram, acharam legal, fizemos uma reunião lá, mas eles só publicavam autores que já tinham sido publicados, nomes maiores, e falaram para eu continuar escrevendo para um dia, mais tarde, quem sabe, eles poderem publicar”, conta.
A obra acabou saindo pela Com-Arte, editora laboratório do curso de Editoração da USP. No processo, autora e editores aprenderam juntos. Por exemplo, Beatriz teve de aceitar juntar os quatro volumes da série que tinha escrito num único livro e acatou alterações no texto.
Beatriz ainda tem algum tempo pela frente para escolher a profissão, mas uma coisa ela já decidiu: “Vou viver das minhas palavras, não tem volta. Pretendo escrever pelo resto da minha vida, mas antes disso vou ter de arranjar alguma coisa que dê dinheiro para eu poder me sustentar e estabilizar”. Sabe que fará Letras, mas diz que tem de escolher um segundo curso. Acha Biologia marinha fascinante.
Se depender da capacidade de imaginação de Beatriz, seu futuro literário será agitado. Ela conta que tem ideia para 20 livros – um deles a ser escrito a quatro mãos com Helena, sua irmã gêmea e primeira leitora. No momento, trabalha em duas obras. A primeira é sobre uma garota de 10 anos que vive num país em guerra e que verá alguém querido ter de se sacrificar.
A segunda é, na verdade, uma trilogia que está sendo escrita em inglês. The Black Books é sobre “uma humana fugindo de alguma coisa, que não quero dizer o que é, e que viaja com elfos por reinos”. Com a autopublicação tão em alta, seria fácil tentar a sorte em outros mercados, mas ela não se anima. “Nunca estive muito interessada em publicação online – ela não tem muito reconhecimento. E as pessoas gostam de reconhecimento. Quero lançar a trilogia em papel em algum país de língua inglesa. Não me atrai a ideia de um e-book. Prefiro o livro c,oncreto, ali, para poder cheirar, e depois pode vir o digital.”
A origem
Beatriz é apaixonada por mitologia desde criancinha – entre os livros que guarda com carinho na memória estão Mahabharata – Pelos Olhos de Uma Criança, de Samhita Arnio, sobre mitologia indiana, e As Crônicas de Nárnia, clássico de C. S. Lewis, que leu aos 9. Quem apresentou a literatura à garota foi o pai, que começou a ler para as meninas quando elas tinham dois meses. Fez isso todas as noites por cerca de dez anos. Hoje ela lê quando chega em casa e nos intervalos de aula. Diz que, dependendo do ritmo da história, poderia ler um livro por dia – a média de leitura do brasileiro é de quatro por ano, incluindo o que a escola manda. “Acho isso horrível”, comenta. O livro da vez, difícil “por causa das figuras de linguagem”, é Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. Na fila de espera, A Metamorfose, de Kafka, sugestão do pai. Na estante, todos os de Percy Jackson.
Seu gosto por mitologia e fantasia segue firme, mas ela acompanha tudo o que sai. Não gostou tanto de A Culpa é das Estrelas porque prefere finais felizes, mas entende o motivo do sucesso da obra de John Green. “Não é todo mundo que tem um final feliz. Pessoas morrem, se mudam, se matam, o amor acaba. As pessoas acham que isso deixa a história mais real. Mas gosto de escrever o escape dessa realidade. É sempre divertido ler uma história que não tem nada a ver com a gente e mergulhar nela, no personagem, e se imaginar lá.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.