‘Ao Pé do Ouvido’ ativa um ritual que consagra a realidade brasileira

Durante os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi no ano passado, o presidente russo Vladimir Putin volta e meia defendeu a lei anti-gay que, além de impedir a livre manifestação, poderia prender atletas e cidadãos por praticar atitudes consideradas “propaganda homossexual”. Com os olhos do mundo voltados para o País, ativistas e artistas realizaram protestos e chamadas para boicotes ao evento.

Uma maneira de teatralizar tal momento se concretizou no espetáculo Sochi 2014, por meio da técnica chamada verbatim. Nela, a escritora e diretora inglesa Tess Berry-Hart colheu entrevistas de diversas pessoas e construiu um retrato do que é ser gay na Rússia. Com os depoimentos transcritos, o objetivo no palco foi reproduzir o texto da maneira mais fiel e exata possível. “O ator funciona como uma mídia, eliminando os conceitos de construção de personagem. É quase um hiperrealismo”, explica o diretor Zé Henrique de Paula que estreia nesta quinta, 3, o espetáculo Ao Pé do Ouvido no Sesc Pinheiros.

Tal qual o caso em Sochi, o verbatim costuma ser utilizado para evocar episódios de preconceito, violência e guerra. Na peça de Zé Henrique, o que disparou a atenção foi a onda de ódio aos nordestinos durante a vitória da presidente Dilma Rousseff nas últimas eleições. O grupo então passou a conversar com pessoas que vieram do Nordeste do Brasil para morar em São Paulo. “O que queríamos era retratar a experiência do êxodo sob os olhares de cada um deles”, explica o diretor.

O resultado elegeu sete nordestinos: a babá, o porteiro, o pescador, a costureira, o pedreiro, o médico e a atriz com seus sotaques forjados na Bahia, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e Maranhão.

Para incorporar as histórias, o desafio do elenco exige principalmente boa escuta. Em Ao Pé do Ouvido, os atores não transcreveram o texto e reproduzem os depoimentos simultaneamente por meio de fones de ouvido e celulares. “Nós falamos o que estamos ouvindo sem sequer ouvir nossa própria voz. É importante prestar atenção ao detalhes de alteração no tom e também as pausas e a respiração”, explica a atriz do elenco Rita Batata. “O ator está acostumado a construir uma personagem. Aqui, não dá para fazer isso. Funciona como uma reação em cadeia na qual o texto ouvido esparrama pelo corpo”, completa o diretor.

A técnica verbatim teve sua primeira experimentação conhecida pelas mãos da atriz e dramaturga norte-americana Anna Deavere Smith com a estreia de Fires in The Mirror (Incêndios no Espelho), em 1992. A peça foi composta por depoimentos de pessoas envolvidas no conflito entre negros e judeus ocorrido no ano anterior na vizinhança de Crow Heights, em Nova York. “No início, chega a ser um pouco esquizofrênico. Você ouve uma voz na sua cabeça e precisa falar sem demora porque a voz continua. Não dá tempo de premeditar cenas ou movimentos. Por vezes também parece até uma sessão de mesa branca”, brinca a atriz Bruna Thedy.

Em Ao Pé do Ouvido, cumpre-se um relato crítico e real de quem sofreu e sofre preconceito por “ser baiano”, como a própria personagem que Bruna ecoa. E o drama da busca por dignidade na selva de pedra se revela em muito nas dores e sonhos em comum. “Em quase todas as entrevistas, as pessoas falam da importância da educação e do trabalho, que é o que as moveu para cá. E isso acaba por não retratar apenas os anseios dos nordestinos, mas se configura como uma necessidade do nosso próprio País. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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