Para quem gosta de cinema, uma retrospectiva de Michelangelo Antonioni equivale à visita ao Louvre para um fã de artes plásticas. Significa entrar em contato com o que de melhor o ser humano produziu no âmbito de determinada atividade artística.

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Aventura Antonioni, a partir desta quarta-feira, 26, no Centro Cultural Banco do Brasil, faz com que essa retrospectiva seja completa, com algumas cópias em 35 mm e outras em formato digital, incluindo do primeiro curta do diretor, Gente do Pó, ao último, Lo Sguardo de Michelangelo. Neste, o cineasta, doente e mudo por efeito de um AVC, “dialoga” com seu homônimo, o Michelangelo Buonarroti da Renascença, autor do magnífico Moisés da Igreja San Pietro in Vincoli, em Roma. A mostra vai até 22 de maio no CCBB e de 11 a 17 de maio no Cinesesc.

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Gente do Pó é de 1947 e revela o jovem Antonioni precursor do neorrealismo. Lo Sguardo de Michelangelo é de 2004, três anos antes de o cineasta morrer, com 94 anos, e refaz o último e comovente diálogo de mestres através do tempo e do olhar.

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Entre esses extremos, encontra-se o Graal, talvez a mais densa meditação do cinema a respeito dos impasses da subjetividade na aurora dos tempos modernos. Como decidir onde se encontra o ápice de Antonioni? Talvez na chamada “trilogia da incomunicabilidade”, composta de A Aventura (1960), A Noite (1961) e O Eclipse (1962)? Ele próprio não gostava do rótulo, pois dizia, com razão, que tentara sempre se comunicar. Se os personagens pareciam isolados, insulados mesmo, sem real capacidade de empatia, participação no mundo e com os outros, esse era “o” sintoma da modernidade. Não apenas signo de um déficit de comunicação, mas de algo mais grave, a alienação.

As histórias são sempre um tanto estranhas. Uma mulher desaparece num passeio de barco no Mediterrâneo. A deterioração de um casal belo, porém minado por infidelidades mútuas. Outro casal que se forma, mas condenado, desde o princípio, à separação. Não é um cinema otimista, o de Antonioni. Construído com rigor formal extremo, parece ir ao cerne dos personagens, dando forma a um existencialismo cinematográfico em sua elaboração máxima. É um momento em que o cinema nada fica a dever à filosofia ou à mais alta literatura.

Cinema que pensa por meio de imagens. Como, por exemplo, o final de O Eclipse, sem palavras, em que a natureza parece falir aos poucos com o sol que se esconde. Não se trata apenas de um fenômeno natural; é o fim de um mundo, a implosão melancólica de um modo de vida e uma civilização.

Podemos preferir o Antonioni apocalíptico de Deserto Rosso. Ou o enigmático de Blow-Up – Depois Daquele Beijo, adaptado do conto Las Babas del Diablo, de Cortázar, filme signo da agitação vazia dos sixties. Ou Passageiro – Profissão: Repórter, com Jack Nicholson como o homem que se perde ao tentar mudar de identidade. Ou ainda, o Antonioni documentarista, com seu magnífico e extenso China. Você decide o que é melhor. Só não deixe de ver. É experiência rara.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.