Ele chega ao palco e posiciona uma vitrola ao seu lado. Ao ligar o som, começa a música de abertura do desenho animado Super Mouse. O homem estranho canta um verso e para. A plateia reage com risos tímidos. Ele continua estático encarando o público, canta mais um trecho e para. A música segue e, quase cansado, ele pausa para tomar um copo d’água. No final desse número de Andy Kaufman, a plateia aplaude o artista que subverteu o humor norte-americano. “Ele queria trilhar o caminho mais difícil para arrancar o riso”, conta o ator Victor Mendes, que vive o cantor, ator e dançarino no espetáculo Andy, que estreia neste sábado, 23, no Sesc Santana.
Kaufman antecedeu os humoristas Adam Sandler, Mike Myers, Eddie Murphy, Jimmy Fallon e Sacha Baron Cohen, talvez seu único “herdeiro”. Todos, exceto o último, foram descobertos e ganharam fama com o programa Saturday Night Live. Nos anos 1970, o que o canal NBC não imaginava é que estava exibindo um artista que desmontaria as regras do riso em suas apresentações – ao ir na contramão dos contemporâneos, conquistar público e crítica, e desafiar a imprensa com a sobrevida de Tony Clifton, seu personagem mascarado, que continuou se apresentando nos shows mesmo após sua morte prematura. Apesar dessa trajetória e dos 34 anos da morte de Kaufman, o NBC mostrou qual o lugar do artista para a posteridade. “De todos os artistas lembrados nos quadros espalhados pelos corredores do estúdio, o rosto de Andy Kaufman é o único que não aparece”, conta o ator e diretor Gero Camilo, que dirige e também atua na montagem.
Durante a pesquisa para a criação da peça, a dupla perseguiu os rastros de onde Kaufman se apresentava. “Ele veio dos clubes de improviso no qual se pratica muito a escuta”, conta Camilo. “Enquanto muitos artistas queriam ser a voz da TV, ele criava a própria voz dentro da TV.” Antes de entrar no NBC, Kaufman fazia Latka Gravas, um estrangeiro tímido e sem talento para contar piadas, no seriado Táxi, ao lado de Danny DeVito, exibido pela ABC. Mas o sucesso viria mesmo com a imitação do astro Elvis Presley. “No museu do cantor, há uma fita gravada com essa a cena”, conta Victor.
Parte desse legado também se deve ao espírito vanguardista de Kaufman, como rejeitar a ideia de ser considerado um humorista, o que fortalecia o conceito de performance em seus shows, ao ultrapassar a mera interpretação de um personagem e o funcionamento de um esquete cômico. Ele combinava cenas com alguns amigos que surgiam anônimos nos shows. “Eram escadas para Kaufman fazer as piadas. Tudo sem que a plateia soubesse”, afirma Camilo.
Próximo da morte, Kaufman parecia sobrevoar o próprio mundo criado. Um dia, uma mulher implorou para que ele fizesse Latka Gravas. Sua resposta: leu o livro O Grande Gatsby inteiro no show.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.