Anthony McCall remonta trabalho experimental de 1972

Anthony McCall, o artista britânico que renovou a sintaxe do cinema expurgando a narrativa e transformando as imagens projetadas em esculturas de luz, resolveu viajar no tempo. Mais exatamente, para o ano 1972, quando, ainda vivendo em Londres, convidou 15 fotógrafos e cineastas para registrar a própria imagem numa inaudita instalação (naquela época ainda não chamada assim). Um par de grandes espelhos funcionava como fronteira naquele território iluminado por luzes de projetores em que os convidados se moviam sobre papel de jornal amassado no chão. A instalação, Circulation Figures, foi remontada em 2011, em Nova York, e, a partir de sábado, 08, será revisitada na segunda exposição individual de McCall no Brasil, na Galeria Luciana Brito.

Residindo desde 1973 em Nova York, McCall, um artista transdisciplinar, foi consagrado naquele mesmo ano por um filme ancorado apenas no momento da projeção, invadindo áreas que eram da escultura e da performance. Line Describing a Cone era exatamente o que o título sugere, uma linha de luz descrevendo um cone – o primeiro filme a “existir”, de fato, no espaço tridimensional. Nele, um círculo branco era visto numa tela negra. No espaço entre a tela e o projetor, um raio de luz tornava gradativamente visível um cone através das partículas no ar iluminadas pelo projetor. Não era um jogo ilusório: o espaço era real, o tempo era real. Nada era referencial. McCall insiste que jamais trabalhou no campo da metáforas.

Ainda assim, a instalação Circulation Figures não consegue escapar de uma associação alegórica. Na época da montagem original, lembra o próprio McCall, “a mídia monopolizava a representação dos assuntos públicos e a vida privada não era exposta como hoje, quando a circulação de imagens digitais confunde público e privado”. Como consequência, ele observa que a vida privada desvinculada da mídia está em vias de extinção. Hoje, Circulation Figures, com seus fotógrafos e cineastas registrando a própria imagem, parece ter sido uma antevisão do narcisismo internético, do facebookismo que assola o planeta. “Se, em 1972, a obra parecia uma alucinação, hoje ela parece bastante familiar.”

Outra obra revisitada por McCall em sua exposição, também da série Solid Light Films e igualmente da década de 1970, lida com o mesmo conceito – o de que o espaço tridimensional pode ser ativado por projetores e imagens em movimento. A experiência foi cunhada pelo artista como “expanded cinema”, ou seja, “cinema expandido”, justamente por sair das salas convencionais e usar espaços alternativos. Essa construção de formas geométricas com luz levou críticos a definir as primeiras séries de McCall como “minimalistas”, aproximando o artista inglês dos americanos Richard Serra e Sol LeWitt, que trabalharam com filmes experimentais nos anos 1960. Ele, porém, rejeita delicadamente a filiação. Não se pode atravessar uma estrutura geométrica de Serra ou Lewitt, mas é possível desfazer um cone de McCall inserindo o corpo entre o projetor e a tela.

A presença física do corpo, aliás, interessa cada vez mais a McCall. A mostra brasileira incorpora 24 desenhos da série Traveller, que serviram de estudo para o balé Eclipse, desenvolvido há dois anos com o coreógrafo americano Jonah Bokaer, ex-integrante da companhia de Merce Cunningham e assíduo colaborador de Bob Wilson. Vestidos com coletes fluorescentes, os bailarinos obedeciam aos movimentos de luz e eram “eclipsados” por gestos bruscos diante dela.

A dramatização do desenho de luz não incomoda o artista, mas ele evita a espetacularização – sem muito sucesso, considerando que até Michael Jackson, no clipe Rock With You, de 1980, aparece sob um cone de luz. “Sou um artista que vem dos anos 1970, ou seja, de uma época marcada pelo conceitualismo, quando resistíamos ao filme narrativo, ao ilusionismo na pintura e combatíamos o sistema”. O provocativo Hans Haacke era um modelo, assim como cineastas como Godard e Fassbinder, os dois preferidos de Anthony McCall.

Para evitar o drama, ele passou a trabalhar cada vez menos com a intrusiva fumaça espessa das fog machines, que induziam o público a uma dimensão teatral. A sugestão do sublime o incomoda. Ele teme que essas projeções possam ser vistas como metáforas de uma luz celestial. “Não sou religioso e, a despeito de ter sido um péssimo aluno de matemática, acho que herdei de meu pai, que era professor da matéria, a mania de calcular cientificamente a trajetória da luz no espaço”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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