Andy Serkis não esconde a frustração. “Não é bom ter outro filme competindo, mas não é a primeira vez que acontece isso em Hollywood e não vai ser a última.” O ator e diretor britânico já estava trabalhando numa adaptação de O Livro da Selva, obra literária de Rudyard Kipling, quando a Disney anunciou que também preparava sua versão live-action da história de Mogli, o Menino Lobo.
Na época das gravações, ele afirma, era realmente uma competição, para ver quem terminaria o filme primeiro. Chegou um ponto, já na pós-produção, que ele cedeu. “Não havia sentido em apressar as coisas. Estávamos usando a tecnologia de captura de movimento e isso leva tempo. Por isso demorou.” O filme da Disney, que já tem uma continuação garantida, estreou em 2016.
As declarações do ator foram feitas esta semana, em São Paulo, onde participou de um encontro com jornalistas, para falar sobre o filme, que recebeu o título de Mogli: Entre Dois Mundos, e finalmente estreou com exclusividade na Netflix na semana passada. No final de semana, Serkis apresentou o longa num painel para fãs, durante a Comic Con Experience.
Segundo Serkis, em nenhum momento ele pensou em desistir da sua adaptação, por ter certeza de que seguiria um caminho bem diferente da Disney. “A Disney teria que fazer um filme mais família, o nosso é um pouco mais sombrio, assustador, emocionalmente mais complicado.”
Para Serkis, o roteiro do seu filme se aproxima mais ao livro. Traz Mogli, inclusive, como um ser corruptível e com um sofrimento real, mesmo ainda sendo uma criança. Numa das cenas, o personagem, inclusive, aparece com uma faca. “O uso da faca é uma má influência em Mogli e isso para mim é importante, porque o filme toca na questão do colonialismo, de uma forma que outros filmes não tocaram.”
Os animais da floresta, no filme da Netflix, estão mais próximos de representações da sociedade humana, na opinião do cineasta. “Os macacos fazem uma sociedade anárquica, eles não tem regras ou estruturas. Já os lobos são uma estrutura, tem regras, igualdade, quase democrático, com um líder que não é um rei, mas é quase um presidente eleito.”
Tecnologia
Outra diferença fundamental na adaptação da Netflix é a tecnologia utilizada para mesclar as cenas gravadas com os atores e a animação que os transforma em animais. Serkis é um expert no assunto. Já trabalhou com a captura de movimentos em O Senhor dos Anéis, O Hobbit e na franquia Planeta dos Macacos. Funciona assim, primeiro são gravadas cenas com os atores, que têm suas expressões e movimentos registrados por um equipamento próprio. Depois, é feita uma animação, que aproveita essas expressões e movimentos. Segundo Serkis, é como se fossem feitos dois longas. “Temos um filme inteiro só com as cenas do elenco.” Por isso, o diretor preferiu terminar o longa com calma, sem a pressa da competição com a Disney, que também fez uma versão live-action, mas utilizando uma tecnologia um pouco diferente.
Em Mogli: Entre Dois Mundos, o único personagem que não possui toques de animação é o protagonista, vivido pelo jovem Rohan Chand. Geralmente, o processo de escolha para um ator ainda criança e que precisa segurar um filme inteiro é longa. De acordo com Serkis, porém, este não foi o caso. “Ele foi a terceira pessoa que eu entrevistei. Vi um filme que ele havia feito”, relembra. “Ele entendeu o personagem e se apaixonou, tive certeza de que ele seria perfeito.”
O elenco de animais conta ainda com grandes nomes como Christian Bale, Cate Blanchett e Benedict Cumberbatch. Serkis também atua, assim como o seu filho, Louis, que interpreta Bhoot. “Agora ele tem 14 anos, a voz está engrossando, mas na época das filmagens ele tinha uma voz doce, que combinava com o personagem.”
O cineasta britânico revela que pensou em colocar Louis no filme após o garoto ajudá-lo nos testes de captura de movimentos para uma adaptação de A Revolução dos Bichos, de George Orwell, que ele já estava planejando antes de Mogli, mas que só agora vai entrar em produção, para estrear também na Netflix. “Não é a versão original, é mais contemporânea, sobre o que está acontecendo agora no mundo.”
Serkis credita a sua recente carreira como cineasta a Peter Jackson, por ter deixado que ele participasse como diretor secundário dos filmes O Hobbit. “Aprendi tanto que me senti, estranhamente, preparado para dirigir Mogli”, afirma. A maior lição sobre a cadeira de diretor, ele diz, foi saber ouvir. “Valorizar as opiniões de todo mundo e escolher suas batalhas. Se manter com sua visão, mas aceitar a opinião dos outros.”