A adolescência, início da vida adulta, a rebeldia. Aos 17 anos, a cantora Andreia Dias deixou a casa dos pais, evangélicos, para perseguir a carreira aos microfones. Ovelha Negra, hit máximo de Rita Lee, parecia a companhia perfeita àqueles momentos de liberdade intensa, inédita, instigante.
O repertório de cantora em barzinhos passava por Led Zeppelin e Janis Joplin, mas invariavelmente voltava à Rita Lee. “Ovelha Negra era o meu hino”, brinca a cantora, que hoje se divide entre morar em São Paulo e Ubatuba. Três discos solos de inéditas depois – além dos trabalhos com as bandas DonaZica e Glória -, Andreia consegue dar fim ao ciclo da ovelha negra com o disco Prisioneira do Amor, com o repertório mais psicodélico de Rita Lee, lançado entre o fim dos anos 1960 e início da década de seguinte.
O álbum ganha vida através do selo Joia Moderna (do DJ Zé Pedro), e contou com a direção artística de Marcus Preto (que recentemente trabalhou com Tom Zé), e musical de Martim Bernardes, o Tim, voz e guitarra d’O Terno. O trabalho não será vendido, mas, desde a noite dessa terça-feira, 10, o site oficial da cantora (www.andreiadias.com.br) já traz as 10 faixas de Prisioneira do Amor. A estreia do repertório está marcada para a noite desta quinta-feira, 12, na pequena e adorável Casa de Francisca, no Jardim Paulista, em São Paulo. No palco, na ocasião, Andreia estará acompanhada apenas de Tim.
A carreira solo da cantora foi iniciada em 2008, com o disco Vol. 1, seguido, dois anos depois, por Vol. 2. O que era para ser uma trilogia de álbuns interligados foi interrompido por Pelos Trópicos, outro álbum guiado por um conceito (gravar faixas descendo do Pará ao Rio de Janeiro, gravando em cada estado pelo qual passava).
Em comum, os três discos traziam uma ideia central que norteava as aventuras sonoras da cantora. Em Prisioneira do Amor, a ideia de vestir-se como outra pessoa, embarcar neste universo de intérprete desprendida das amarras da própria carreira. “O principal motivo era justamente cantar as músicas de outra pessoa”, explica Andreia. “Tinha a ideia de sair um pouco das minhas composições, agir como intérprete.”
O álbum nasceu de alguns shows realizados no segundo semestre de 2013. Ao assistir à apresentações dos irmãos Nardo, Rubens e Beto, que acompanharam Rita Lee nos álbuns Fruto Proibido e Entradas e Bandeiras, lançados entre 1975 e 1976, Andreia foi convidada para uma participação especial. Cantou Lança-Perfume e Ovelha Negra, hits eternos de Rita Lee. “Foi muito empolgante”, relembra. Ao lado dos irmãos, promoveu alguns shows no circuito de pequenas casas de show paulistanas. E, em um deles, chamou a atenção de Zé Pedro, dono do Joia Moderna. O diretor artístico do disco e amigo de longa data de ambos, Marcus Preto, foi responsável por fazê-la topar levar o projeto dos palcos para o estúdio. Faltava encontrar quem pudesse rearranjar as canções e Tim Bernardes foi escolhido pelo trabalho aficionado dele em buscar sonoridades psicodélicas brasileira nos anos 1970 e frontman do competente O Terno. “Ele já nasceu psicodélico”, brinca Andreia, que o compara ao personagem Obelix, das histórias em quadrinhos do Asterix, que caiu em um caldeirão de poção quando criança – no caso de Tim, em tom de brincadeira, é claro, o conteúdo do era formado por LSD.
Havia uma questão a decidir, por fim: o repertório. “Não queríamos seguir por um caminho óbvio”, explica a cantora. “Pegar os hits e regravar não era a nossa ideia. Pensamos em buscar um lado mais desconhecido, para dar uma nova cara e sair da zona de conforto.”
O recorte da obra de Rita Lee escolhido passa desde 1968, com Glória ao Rei dos Confins do Além, gravada pelos Mutantes em 1968, até dez anos depois, com Modinha, já lançada quando a cantora se juntou à banda Tutti Frutti, através do disco Babilônia. São os dois primeiros álbuns solo dela, gravados ainda pelos Mutantes, mas assinados apenas por Rita, Build Up e Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida, que compartilham o foco deste novo trabalho – além de algumas raridades, como é possível ver ao lado. Ao longo das dez faixas, Andreia foge das obviedades, de fato. Surpreende ao se soltar diante do exímio trabalho de Tim em texturas e ruídos analógicos. Até mesmo a mais “óbvia” das escolhas, Ovelha Negra, surge no disco mais melancólica e surpreendente.
Indispensável para uma ovelha negra como Andreia Dias. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.