Parece o destino de todo contratenor – dedicar-se ao repertório barroco à exaustão. Nada de errado com isso, diz o alemão Andreas Scholl, um dos grandes nomes de seu registro vocal no mundo. “Mas, depois de 20 anos, a vontade de caminhar por novos territórios falou mais alto.”
Foi assim que nasceu o desejo de gravar o álbum Wanderer, com obras de Haydn, Schubert, Brahms e Mozart, que serve de base para o recital que o cantor faz nestas quarta-feira, 14, na Sala São Paulo ao lado da pianista israelense Tamar Halperin, pela temporada de concertos da Tucca (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer).
Scholl vem de uma família de músicos. Aos 13 anos, já estava sobre os palcos, fazendo o papel do segundo menino em uma produção da Flauta Mágica, de Mozart, no Hessisches Staatstheater, de Wiesbaden. Contratenores cantam em uma tessitura que corresponderia à do contralto ou soprano, vozes femininas. “Isso delimita o repertório, mas obviamente a diversidade é algo necessário se você é um cantor curioso. Estou constantemente ouvindo novas coisas e sempre me foi natural o desejo de me desenvolver, o que significa estar aberto a novas possibilidades, que podem te surgir em vários lugares. Costumo dizer que a cafeteria de uma escola de música é um dos ambientes mais repletos de possibilidades artísticas”, diz Scholl.
A ideia do disco, ele conta, lhe ocorreu durante uma aula – ele é professor de canto na escola de música de Basel, na Suíça. “Um de meus alunos interpretou o ciclo Winterreise, de Schubert. Foi tão bonito e, ao mesmo tempo, tão simples, espontâneo. E depois disso pensei em duas coisas. Primeiro: a arte não pode soar como arte, é preciso haver algo de natural. E, segundo: eu quero cantar esse repertório.”
Nos seis meses seguintes, ele se dedicou a separar canções, “centenas delas”, e a escolher aquelas que mais lhe agradavam. “Tentei encontrar um sentido dramático, dramatúrgico, para essas composições, em alguns casos escolhendo peças de diferentes autores a partir de temas semelhantes.”
Scholl conta que dar aulas é uma atividade prazerosa. “É muito bom testemunhar de perto um cantor desenvolvendo tanto seu intelecto quanto sua personalidade, descobrindo maneiras de se expressar. Mas é algo complicado. Como explicar para um aluno, colocar em palavras algo que ele precisa descobrir dentro dele? É um desafio fascinante.”
A principal lição a ser passada, acredita ele, é a necessidade da aposta na individualidade do músico. “É muito comum um cantor começar a se expressar imitando outros artistas que admira, que ouve em discos ou em concertos. Mas desde cedo o foco tem que ser buscar a si mesmo no trabalho como músico. Só assim é possível desenvolver um estilo próprio. O público vai entender, perceber e admirar isso. Eu digo toda hora aos meus alunos: comece sempre com as suas ideias e vá, aos poucos, acrescentando experiências que a vida lhe propõe.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.