No apartamento do ator e músico André Frateschi, em São Paulo, assim que se entra na sala, chamam a atenção três retratos acomodados lado a lado em uma das paredes: de Amy Winehouse, David Bowie – imponente, no centro – e Tom Waits. São quadros que dizem muito sobre quem habita aquele lar. Há anos, a cantora Miranda Kassin, mulher de Frateschi e mãe de suas duas filhas, Angelina, de 2 anos, e Mel, de 10 meses, faz shows com repertório de Amy Winehouse. Já Tom Waits inspirou o belo espetáculo Canções Para Cortar os Pulsos, no qual Frateschi canta músicas do intenso compositor norte-americano, com a cantora e pianista Cida Moreira – projeto esse que Frateschi tem vontade de retomar. E Bowie é tema do show que Frateschi faz à frente da banda Heroes há uma década e volta a apresentar nesta terça-feira, 16, no Bourbon Street – desta vez, em tom de tributo especial ao músico britânico que morreu há pouco mais de um mês, aos 69 anos, após lutar contra o câncer.
Na semana de morte do cantor, o músico brasileiro foi chamado às pressas para fazer um show no Caixa Belas Artes, que foi antecedido pela exibição do O Homem Que Caiu na Terra, em que Bowie atua. Frateschi não teve muito tempo para preparar o repertório para aquela apresentação, mas o clima de celebração estava acima de tudo. A emoção tomou conta do palco e da plateia. Para o show no Bourbon Street, quer manter essa mesma atmosfera de festa, mas pôde organizar com mais calma o set list, que vai incluir clássicos como Space Oddity, Let’s Dance, Starman, entre outros. “A ideia é fazer um grande apanhado da vida toda de Bowie, que era mais ou menos o que (a banda) Heroes já fazia. Agora, pensando com mais cuidado em cada disco, tentando colocar uma coisa de cada álbum, também do The Next Day e do Blackstar”, diz o cantor paulistano, de 40 anos, em entrevista ao Estado. “Ainda é difícil para mim, ainda não consigo ouvir um disco sem me emocionar muito. O que Bowie fez é uma coisa inédita, de usar a morte como grand finale da sua obra artística, é impressionante.”
A relação de André Frateschi com a obra de David Bowie vem de muito antes do projeto Heroes. Vem da infância. Seu primeiro disco do músico foi Aladdin Sane (1973), que ganhou de um padrasto que havia feito uma viagem. “Sempre gostei de rock, desde criança. O primeiro disco que comprei foi minha avó quem me deu, não sei por que escolhi um do Bill Haley, eu tinha 6 anos e ouvi até furar aquele disco”, recorda-se. “Aí chegou esse disco do Bowie, fiquei ouvindo um bom tempo aquilo. Depois, quando eu tinha 10, 11 anos, minha mãe (a atriz Denise Del Vecchio) foi fazer uma turnê do Feliz Ano Velho, em Nova York, e trouxe para mim uma fita de 90 minutos de uma coletânea do Bowie. Na sequência, veio o (filme) Labirinto, que me ganhou de vez.”
Desafio
Ainda olhando para a parede com os retratos de Amy, Waits e Bowie, poderiam entrar nesse rol outros dois ídolos: Frank Zappa, que André Frateschi homenageou também em shows, e a Legião Urbana. Desde o ano passado, ele acompanha como vocalista os dois remanescentes da Legião, o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá, na turnê comemorativa de 30 anos da banda, que ainda está rodando o Brasil. E tem sido elogiado na árdua tarefa de assumir os vocais da banda – e não, que fique claro, substituir Renato Russo.
Para Frateschi, foi um desafio e tanto. Havia não só o peso da responsabilidade em pisar em ‘solo sagrado’, como também a experiência anterior com o ator Wagner Moura, que cantou com a Legião em um projeto promovido pela MTV, e foi muito criticado. Como foi encarar esse momento? “Morri de medo!”, admite Frateschi.
“Sempre fui fã da Legião. Só que a força que essas músicas têm na vida das pessoas é uma coisa que eu não tinha noção. É algo que passa de geração para geração. Essa música se perpetuou, porque tem muita qualidade. Nenhuma outra banda assumiu esse lugar da Legião.”
O jeito encontrado por ele para evitar qualquer possível comparação com Renato Russo foi se distanciar dele. “Esqueci um pouco do Renato como personagem e pensei nele como autor daquelas músicas. Me interessou ali a obra, não a referência dele quanto personagem, como ele estava no palco, como ele cantava. Também porque o meu registro vocal é diferente do Renato. Não dá para imitar, ele é único.”
Ele conta que fez o mesmo com o projeto Heroes. “No começo, eu tinha um pouco mais essa coisa de buscar o timbre. Depois, me libertei disso, e acho que isso faz com que o projeto fique muito mais interessante. Fazendo paralelo com o teatro, são textos clássicos que estou fazendo. Estou fazendo o Bowie, que é um texto clássico, e a Legião e o Renato, que são outro texto clássico. Não interessa fazer um museu de cera da Madame Tussauds para emular o que já foi feito. Interessa é interpretar aquela obra que é grande.”
Em geral, a reação do público tem sido parecida desde que ele começou a se apresentar na turnê. Primeiro, há uma certa desconfiança, do tipo “quem esse alemãozinho pensa que é para estar nesse palco”, descreve Frateschi, sorrindo. Mas, ao longo do show, a plateia baixa a guarda. “No final, rola um congraçamento geral, é um muito emocionante.”
Assim como no caso de seus outros ídolos, Frateschi se aproximou da Legião Urbana ainda criança. Literalmente, inclusive. Sua mãe Denise estava em Brasília, com Feliz Ano Velho, e alguns atores da peça acabaram se tornando amigos de Renato, Dado e Bonfá. Era ainda o começo da Legião. Um dos atores da peça sugeriu que o menino Frateschi, em vez de ver a peça da mãe pela milésima vez, fosse assistir ao show daqueles rapazes. “Falei: ‘vamos nessa, show de rock, estou dentro'”. Eu já sabia o que queria com 10 anos de idade”, lembra. A memória seguinte dele é de estar dentro de um Passat dirigido por Dado, com Renato no banco do passageiro, e ao lado de Bonfá e Negrete, que foi baixista da banda, no banco de trás. Ele voltou para São Paulo impressionado com o show que tinha visto. Chegou a manter contato com a Legião durante outros shows, mas, com o tempo, não se encontraram mais.
Em 2013, o acaso os reuniu novamente. Frateschi foi convidado para um projeto musical, do qual Dado também participou. No meio do ano passado, Frateschi recebeu um telefonema de Dado, dizendo que eles iam fazer show em homenagem à Legião. Frateschi recebeu a notícia como fã. “Não tinha entendido que era para mim o negócio.” Ele foi convidado para cantar na turnê. A primeira reação foi responder “sim” e, depois, o frio na barriga. Hoje, Frateschi tem se dedicado aos shows, à família e deixou um pouco de lado a atuação. Pode ser visto na TV em Os Homens São de Marte e É Pra Lá Que Eu Vou, no GNT, e Magnífica 70, na HBO, mas não tem nenhuma novela em vista. E está feliz com esse momento. “Minha sensação é que estou a vida inteira me preparando para isso, não caiu do céu. Com todos os meus trabalhos, com tudo o que estou fazendo, estou me preparando para esse desafio.”
ANDRÉ FRATESCHI & HEROES
Bourbon Street. Rua Dos Chanés, 127, Moema, tel. 5095-6100. Amanhã (16), às 21h30 (abertura às 20 h). R$ 50.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.