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Anárquico e marginal, Jards Macalé se apresenta ao público paulista

“Dormimos anônimos e acordamos famosos”, brinca o cantor e compositor Jards Macalé. A lembrança é de seu primeiro momento de fama, quando participou do Festival Internacional da Canção de 1969. Diante do enorme público, Macalé cantou sobre guitarras distorcidas e arranjos orquestrais de Rogério Duprat os seguintes versos, escritos pelo poeta Capinam: “Aos 15 anos eu nasci em Gotham City / E era um céu alaranjado em Gotham City / Caçavam bruxas nos telhados de Gotham City / No dia da Independência Nacional / Cuidado! Há um morcego na porta principal / Cuidado! Há um abismo na porta principal”.

Naquela noite, passado somente um ano do AI-5, a alusão à ditadura militar somada à experimentação sonora deixou a plateia escandalizada. “Os festivais eram um negócio extremamente careta, fomos vaiados do início ao fim naquele dia. Mas pouco importa, afinal só a vaia consagra”, diz ele, atribuindo a Nelson Rodrigues a autoria da máxima.

Quase 50 anos depois, o cantor se prepara para duas apresentações em São Paulo. Sempre ligado às vanguardas culturais dentro da MPB, ele antecipa parte do repertório: “Vai ser um misto das minhas músicas queridas de sempre, como Mal Secreto e Vapor Barato (compostas em parceria com o poeta baiano Waly Salomão), com canções de outros autores, como Noel Rosa, Luiz Melodia e Nelson Cavaquinho”. Os shows ocorrem sexta, 9, e sábado, 10, na Casa de Francisca.

O repertório, repleto de parcerias, reflete a multiplicidade de sua trajetória musical: como instrumentista, no início de sua carreira, acompanhou Maria Bethânia; como arranjador, produziu o álbum Transa, de Caetano Veloso; como compositor, fez trilhas sonoras para filmes de Nelson Pereira dos Santos. Sua estreia como cantor, inclusive, foi motivada por um colaborador. “Eu sempre toquei violão, só comecei a cantar depois que o Waly Salomão me encheu o saco para que eu cantasse nossas músicas”, relembra.

Apesar de ter circulado em diversos meios artísticos, Macalé preferiu levar a própria carreira à margem do mercado fonográfico. Depois de lançar seu quarto álbum com uma grande gravadora, em 1977, ele passou por um hiato de dez anos sem novos trabalhos de estúdio. Foi quando decidiu produzir a si próprio, de maneira independente. “Sempre fiz o que quis, como quis e porque quis. Houve tempos em que a sobrevivência ficou mais difícil por conta disso, mas também tive momentos mais tranquilos.” É desse jeito irreverente e audacioso que ele leva a vida até hoje.

No início do ano, Macalé passou um mês internado em São Paulo em decorrência de uma infecção pulmonar. Com bom humor, ele conta que continua exatamente o mesmo e que três meses depois de receber a alta médica já estava de volta na estrada. “A única diferença é que agora o cigarro sumiu da minha vida, depois de 60 anos fumando – do contrário, seria suicídio”.

Aos 75 anos, o músico trabalha no projeto – já nas etapas finais – de lançar um novo álbum de inéditas em janeiro. “Adianto que vai ser algo com a cara do que estamos vivendo agora e viveremos daqui a pouco”. Na ocasião em que conversou com a reportagem, Macalé acabava de concluir um dia mixando as gravações. “A diária foi ótima, bastante produtiva. Agora estou aqui no estúdio, ouvindo uns discos pra relaxar”.

No novo trabalho, o cantor repete a fórmula das colaborações, agora com a nova geração da música brasileira. Kiko Dinucci, Romulo Fróes, Thomas Harres, Clima, Rodrigo Campos, Ava Rocha e Tim Bernardes participam do disco, gravado no Red Bull Station. “A troca com essa galera nova é vital, cada um traz uma novidade com sua experiência musical”.

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