Sabe a sensação de uma experiência sem restos? Sabe aquele tipo de beleza que suspende a respiração e estanca o olhar? Assim é Albedo, o fruto mais recente do interesse de Mauricio de Oliveira pela alquimia, que encerra temporada no Espaço Viga nesta quinta-feira, 31, quando começarão a ser mostrados os desenhos e pinturas que fazem parte desta criação.
Albedo, que deriva do latim albedus (“esbranquiçado”), a partir de albus (“branco”), em termodinâmica refere-se à reflexividade, à fração de energia solar da superfície da Terra que é devolvida ao espaço. Mas o aspecto da albedo que interessa a Maurício de Oliveira vem de James Hillman (1926-2011), o analista junguiano da psicologia arquetípica da cultura que, em 2001, tornou-se seu autor de cabeceira.
No repertório que vem construindo, Albedo vem depois de Nigredo (2013) e será seguido por Rubedo, compondo a trilogia alquímica da transformação da matéria em forma de dança. O alvo da albedo torna puro o escuro de nigredo para chegar ao corpo “almado” (integrado) de rubedo. Nigredo-albedo-rubedo: a trilogia que se ocupa da transformação, na qual o foco é o estado de se fazer presente em um processo pautado pela mudança. Nada resultaria sem este elenco, composto por seis intérpretes dedicados e comprometidos – esse par ordenado do qual depende qualquer trabalho artístico para desenhar a sua forma precisa. A qualidade da energia e da sintonia de Marina Salgado, Ivan Bernardelli, Danielle Rodrigues, Daniela Moraes, Rodrigo Rivera e Andressa Cabral não hesita entre a distensão e a distorção. Cada um sabe o quanto pode e não regateia: expõe tudo, mas não de forma bruta.
Albedo se organiza com a lógica de um sonho, mas um sonho crítico, e nos faz irmãos do seu momento quixotesco. É uma obra que não descansa, uma coisa feita de um tipo de movimento que vai gerando a sua própria intensidade coreográfica.
Encadeia movimentos como se eles tivessem fisionomia. E os movimentos produzem sequências que escapam da trajetória comandada pela fisiologia: as partes do corpo ganham uma autonomia imprevista, as articulações conversam de outra maneira, desenham espacialidades.
Maurício de Oliveira concebeu e dirigiu Albedo, assina a dramaturgia em parceria com Bergson Queiroz, e a coreografia, com o elenco. O movimento acontece para se tornar um rastro recente de si mesmo, tipo um borrifo do mar que daqui a pouco desaparece, mas antes, molha para fora. Esse movimento tem a ver com as máscaras que povoam a obra.
Objetos e máscaras foram criados por Duda Paiva e Evandro Serodio e o conceito e o treinamento da sua manipulação são de Duda Paiva. As máscaras são fundamentais para o jogo de comunicar e esconder, que não se teatraliza, embora recorra ao texto. Nesse caso, tudo vai se fundindo na satisfação de não precisar ser outra coisa que não dança, e o desenho de luz de Raquel Balekian se faz como um abraço que gesta o ambiente preciso.
Visto de fora, Albedo não carece de explicação e, visto de dentro, queria ser vento, como diz Rodrigo Naves em O Filantropo (1998). São 50 minutos e quatro meses de trabalho, que se somam aos 10 anos que a companhia completa agora, para dar nascimento à obra mais madura de Mauricio de Oliveira.