Na reta final, a novela Alma Gêmea, de fato, mistura os principais ingredientes dramatúrgicos que resultam numa fórmula certeira de sucesso. Com a maior audiência dos últimos dez anos no horário das seis da Globo, a trama de Walcyr Carrasco estacionou na satisfatória média de 37 pontos, com 59% de share. Ou seja, a recordista, que já deu até 43 pontos de pico, com 64% de share, prova que o polêmico tema sobre o espiritismo sempre aguça o interesse do público. Fora isso, a trama é tradicionalmente construída para o horário, com previsíveis e carismáticos personagens maniqueístas, uma bem acabada história de época, figurinos e cenografia de primeira e pitadas do eterno dramalhão costurado com o humor inocente e quase lúdico do autor, que também assinou O Cravo e a Rosa, em 2000, praticamente no mesmo estilo.
A reencarnação, tema que conseguiu hipnotizar o público desde o primeiro capítulo com a romanceada história de uma mocinha que vivia um verdadeiro conto de fadas ao lado do marido em seu castelo, mas morre e subitamente encarna numa bela indiazinha, parece ter feito boa parte do público do horário suspirar desde o início. Mesmo assim, toda boa receita conta com ingredientes nem sempre tão palatáveis. É impressionante constatar que o sucesso da trama se baseia principalmente no carisma da pérfida vilã Cristina, de Flávia Alessandra, campeã absoluta de cartas na emissora. Com um impecável figurino de Lessa de Lacerda, a atriz mostra sua dedicação na interpretação da personagem, que atrai os olhares não só pelas cruéis maldades, mas por ser também a típica vilã das histórias encantadas: muito bem vestida, com penteados invejáveis e a vantagem de ser bela e não ostentar uma verruga na ponta do nariz.
Em meio a este universo meio Disney do reino encantado de Walcyr, a rebuscada direção de Jorge Fernando se destaca, pois além da cena, Jorge se concentra sempre na direção de cada ator nas gravações, o que determina um visível diferencial no acabamento da trama. Mas apesar de toda a engrenagem estar funcionando corretamente, pequenos deslizes poderiam ser corrigidos. Priscila Fantim, por exemplo, parece ter feito jus ao nome de sua mocinha Serena. Com tanta serenidade, chega a muitas vezes ser opaca em sua atuação. O mesmo acontece com o sempre arrumadinho Luigi Barricelli com Raul, que a cada cena dá a impressão que protagoniza um comercial de pasta de dente ou gel para cabelos. O ator tem um grande dom para arrebatar personagens almofadinhas.
Em contrapartida, Walcyr teve a sorte de revelar gratas surpresas, como a atuação dos irmãos Crispim e Mirna, de Emílio Orciollo e Fernanda Souza, além da sempre divertida Drica Moraes com sua impagável Olívia. Mas enquanto uns roubam a cena, outros parecem se confundir com o pesado mobiliário de época da caprichada cenografia.
Du Moscovis, por exemplo, ainda não disse a que veio com o manipulável Rafael. O personagem, além de passar toda a trama absolutamente cego com as tramóias da diabólica Cristina, agora de fato perde a visão temporariamente para afligir ainda mais os que não se conformam em assistir um protagonista tão tolo e pouco perspicaz.
Mas como todas as tramas dramatúrgicas previsíveis, Alma Gêmea também segue o mesmo caminho de "embromar" até os últimos capítulos. A obra, que acaba em março, ainda pretende exibir as mirabolantes maldades dos vilões e só deixar o gostinho bom dos momentos felizes dos personagens para a última semana, principalmente no último capítulo, quando tudo, enfim, se resolve. Pena que os autores não arriscam – pelo menos num horário como o das seis, que apresentam histórias mais leves e lúdicas – antecipar um pouco os agradáveis momentos vividos pelos mocinhos para que o público tenha a possibilidade de degustar com mais calma o feitiço dos vilões se virando contra os feiticeiros.