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Alfa traz de volta grupo de Pina Bausch

O ano era 2009, e a programação do Teatro Alfa anunciava mais uma apresentação da Wuppertal Tanztheater, só que com uma diferença em relação às outras três vezes em que esta companhia dançou naquele palco (2000, 2001, 2006): a ausência de sua fundadora e diretora, Pina Bausch, recém-falecida na ocasião. O grupo voltou outra vez, em 2011, e agora, sete anos depois, o Alfa a traz para a sua 15ª Temporada de Dança, com a qual comemora os 20 anos do Teatro. A companhia apresenta Nefés (2003), que Bausch criou a partir de uma residência em Istambul, inédito no Brasil.

Assistir à companhia, quase dez anos após a morte de Pina, é uma oportunidade para se pensar o que acontece com as obras que continuam a ser encenadas depois que seu criador morre, e não podem mais contar com o seu olhar. Atento para a questão, Merce Cunningham (1919-2009) estabeleceu, em seu testamento, que sua companhia continuaria somente por um prazo de dois anos após sua morte.

“A demora de sete anos, desde a última participação da Wuppertal na Temporada de Dança, decorre de problemas que vão desde agenda até orçamento”, explica Fernando Guimarães, gerente técnico operacional e de programação do teatro, que continua: “A tentativa é trabalhar a médio prazo, porque a longo, como gostaríamos, ainda não é possível”. Além da diferença de operação de agendas nos países europeus e norte-americanos, existe a variação no câmbio do real e a questão da distância geográfica para a chegada de grandes cenários em navios.

A parte internacional da Temporada mostrará também Nouvelles Pieces Courtes (2017), obra mais recente da Compagnie DCA/Philippe Decouflé, que já esteve no Alfa em 2000, 2008 e 2012. Diferente de algumas estrelas meteóricas que chegam aos palcos dos festivais europeus e desaparecem na mesma velocidade da ascensão, Decouflé, que trabalhou com Merce Cunningham e Alwin Nikolais, desde os anos 1990 é referência na cena da dança internacional. Uma terceira companhia fará parte da celebração, mas ainda não foi confirmada.

A Temporada de Dança foi lançada oficialmente em 2003, um momento de transformação na programação do Teatro, que recebia espetáculos de música erudita, peças de teatro, de dança, de circo, de música popular e óperas. Como conta Elizabeth Machado, diretora e superintendente do Alfa, “o jeito como estava sendo programado criava um déficit enorme e os patrocínios não estavam conseguindo cobrir. A gente teve que repensar para se ajustar à realidade. Chegamos à conclusão de que deveríamos focar em determinadas coisas e deveríamos ser muito bons nelas”. A escolha pela dança e o teatro infantil aconteceu a partir do diagnóstico de que eram dois segmentos não assistidos por outras instituições culturais, em São Paulo.

Em abril de 2018, no entanto, o Alfa lançará uma temporada de música. A primeira edição estará centrada na conexão Brasil-Cuba, e promete receber Camerata Romeu, Omara Portuondo, João Donato, Fabiana Cozza e Toninho Ferragutti, entre outros. “Queremos criar situações, não pegar um show pronto de um artista que está passando e apresentar”, conta Elizabeth, que já propõe outras temáticas no horizonte: a relação da música com outras artes e a ligação com movimentos ecológicos, políticos, em um eixo mais contextual, dos problemas sociais.

O trabalho da equipe técnica, que recebeu o Prêmio Técnico da APCA 2016, é central na história do Teatro: “Somos os técnicos mais disponíveis do mundo. Fazemos questão de que o artista se sinta em casa, para que ele possa desempenhar bem o papel dele”, diz Fernando Guimarães, que chegou ao Alfa antes mesmo de sua inauguração. Haroldo Costanzo, subgerente técnico e operacional, no Alfa desde 1998, complementa: “O valor humano que a gente tem no Teatro Alfa é muito importante. Ninguém trabalha conosco há menos de 10 anos. A equipe é enxuta e é coesa, e dá força para que a gente tenha continuidade de trabalho”.

Haroldo Costanzo conta, bem-humorado, ter vivenciado situações inusitadas junto à técnica, como o dia em que um dos funcionários entrou em cena caracterizado de personagem medieval para corrigir uma falha no meio de uma ópera. Ou quando uma das crianças que faziam o papel de “ratinho” na coreografia de O Quebra-Nozes, da Cisne Negro Cia. de Dança, ficou presa no sistema de rapel do teatro e as cortinas precisaram fechar, no meio do espetáculo, para que ela fosse desenroscada.

Os números impressionam. Entre 1998 e 2017, o teatro recebeu 675 espetáculos, com 7.249 apresentações, um público total (espetáculos artísticos, projetos sociais e eventos) de 3.145.419 pessoas, sendo 2.400.462 presentes em espetáculos abertos com bilheteria. Dentre eles, são 762 apresentações nas temporadas de dança, com um público de 658.183 pessoas, e com a participação de 65 companhias. Evidentemente, isso só se tornou possível porque o Alfa dispõe do tripé indispensável para produtos culturais: investimento público (leis de incentivo), investimento privado (Grupo Alfa) e bilheteria (que também conta com assinantes).

A sobreposição de continuidades, do financiamento e suporte estrutural do Grupo Alfa à estabilidade da equipe, parece ser o que torna possível os 20 anos desse projeto. Por isso, a temporada de aniversário vai incluir também três programas nacionais: Gira, do Grupo Corpo, que dança por anos consecutivos no Alfa desde 1999; a estreia de uma coreografia de Joelle Bouvier com a São Paulo Cia. de Dança, que esteve na programação de 2008, ano em que foi criada, até 2014; e a Cia. de Dança Deborah Colker, também recorrente nos palcos do Alfa, com a releitura de Nó (2005). A escolha dos trabalhos, conta Fernando Guimarães, tinha a preocupação de construir “uma programação que fosse representativa desses 20 anos”. Se alguém ainda tinha dúvida sobre o perfil do Teatro Alfa, encontra nela uma sinalização clara.

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