Alexandre Guerra começou a compor trilhas quando os filmes inaugurais do chamado Cinema da Retomada reconquistaram o público brasileiro, ou seja, por volta de 1994, quando retornou ao País após estudar no respeitado Berklee College of Music.

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Nesses 20 anos de carreira como compositor, o paulistano Guerra já assinou trilhas de grandes produções nacionais e estrangeiras, além de telenovelas – a mais recente ainda está no ar, Em Família, sob direção de Jayme Monjardim, para quem já compôs as músicas da minissérie Maysa e, mais recentemente, da superprodução O Tempo e o Vento. A trilha da última série, que também é a do filme homônimo, tem lançamento simultâneo ao CD Ballet de Azul e Vento, com nove temas de Em Família, tendo a flauta como instrumento solista, como convém à história do flautista interpretado por Gabriel Braga Nunes.

Os dois discos são produtos de uma sofisticação rara, retomando a grandiosidade sinfônica das trilhas do passado, assinadas por compositores eruditos como Guerra Peixe (O Canto do Mar) e Radamés Gnatalli (Rio 40 Graus), além de Tom Jobim, que, aliás, foi aluno do mesmo mestre de Alexandre Guerra, o maestro alemão Hans Joachin Koellreuter. Ballet de Azul e Vento, particularmente, é de uma delicadeza jobiniana.

Outro compositor caro ao universo melódico de Alexandre Guerra é o francês Philippe Sarde, colaborador fiel dos cineastas Claude Sautet e André Techiné. A sutil combinação das cordas com instrumentos de sopro em Ballet de Azul e Vento, em especial na segunda faixa do disco, Partidas e Reencontros, é um tributo a Sarde, assim como os temas que evocam as Missões em O Tempo e o Vento remetem ao italiano Ennio Morricone. “Queria compor para um coral misto, feminino e infantil, temas tocantes como o que Morricone fez para A Missão, como Gabriel’s Oboe”, revela Guerra. Ele foi buscar essas vozes e os instrumentistas na Hungria, todos músicos da Orquestra Sinfônica de Budapeste, tanto para a trilha de O Tempo e o Vento como da novela Em Família, que tem igualmente um tema referente ao universo de Morricone, Lembranças para Flauta.

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A primeira razão para ir tão longe é de ordem econômica. Não só Alexandre Guerra como compositores eruditos que escrevem música para o cinema estão preferindo as orquestras do Leste europeu porque unem qualidade e condições de gravação. “A estrutura montada durante o regime comunista, de grandes orquestras e megaestúdios de gravação, foi preservada e hoje é possível ter excelentes músicos sem gastos excessivos”, justifica o compositor. Nesse esquema, Guerra pode compor para grandes formações orquestrais sem se preocupar com os custos, mesmo em produções internacionais.

Em Ballet de Azul e Vento, por exemplo, ele incluiu três temas gravados com os húngaros para Sauvés de l’extinction, série de documentários sobre a vida animal concebida pelo francês Frédéric Lépage. Dois temas de outro documentário sobre a natureza, Secret Brazil-Pantanal, produção do canal National Geographic, estão também registrados no CD. Os temas da novela Em Família foram agregados numa suíte, sendo o mais popular o composto para a personagem Helena (Julia Lemmertz). “Fiquei sabendo que ele fez crescer a venda de flautas no Brasil, o que me deixou muito feliz.”

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Trilhas brasileiras com grandes grupos orquestrais, como se disse, foram rareando nos últimos 20 anos, a despeito da evolução do Cinema da Retomada. “Acho que existe um certo pudor dos realizadores, pois a música orquestral tem certa eloquência que remete ao cinema americano, é emocional.” Os cineastas, perseguindo um trabalho autoral, querem que ele seja autônomo, não ancorado na trilha. “Jayme Monjardim é um diretor que não tem esse pudor e me incentivou muito.” Inclusive a testar novas formações e instrumentistas para a trilha de O Tempo e o Vento.

“Encontrei nos pampas um músico argentino excepcional, o violonista Lucio Yanel, autodidata”, conta Guerra. Yanel jamais havia tocado com uma orquestra sinfônica.

Sua estreia pontua com o violão gaúcho as sequências em que o capitão Rodrigo adentra Santa Fé. Basicamente, Monjardim pediu ao compositor que dividisse os temas em quatro diferentes núcleos: o das Missões, o de Ana Terra, o do capitão Rodrigo e, finalmente, o do Sobrado, em que a harpa surge para evocar o mistério da casa dos Terra Cambarás. “Monjardim não queria música regional, mas a combinação do violão criollo de Yanel com a sinfônica acabou dando certo”, avalia Guerra, que, 30 anos depois de Tom Jobim assinar a trilha para a primeira versão de O Tempo e o Vento, assumiu a responsabilidade de criar a identidade sonora da nova versão.

Versátil, ele se prepara agora para gravar a trilha da animação Bugigangue, novamente com a Sinfônica de Budapeste. Desta vez, as cordas ficam em plano secundário. “Vou usar muitos metais, tipo Star Wars”, adianta. Atraindo a atenção de produtores internacionais, Alexandre Guerra pode acabar mesmo em Hollywood. A Disney já se interessou por suas trilhas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.