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Alexandre Borges recorda a poesia de Vinicius de Moraes e Fernando Pessoa

Quando a saudade não trata de ir embora, a solução é colocá-la em palavras. Era o que acontecia quando o ator Alexandre Borges encontrava pelas ruas do Rio de Janeiro a atriz e diretora Suzana de Moraes, filha do poeta e compositor Vinicius. “Ela dizia que eu me parecia com ele e que tínhamos de fazer algo, levar para o palco suas poesias e memórias.”

Em 2015, a parceira de Adriana Calcanhotto morreu aos 74 anos quando o projeto estava a todo vapor – estreou em 2011. Nesta quinta, 6, o ator leva ao palco do Teatro Sérgio Cardoso o espetáculo Poema Bar, um recital com composições de Vinicius e poemas do escritor português de muitas faces Fernando Pessoa. A montagem estreou em Lisboa, no museu que foi casa do autor português.

Quem estava presente nesse momento e durante a gestação dessa homenagem-espetáculo é a atriz Mariana de Moraes, neta de Vinícius. Ela se recorda que, quando conheceu Borges, “ele estava só no início da carreira”, momento marcado pela estreia de Mil e Uma (1994), filme de Susana, e da participação em Hamlet (1993), com o Teatro Oficina. “Eu morava em São Paulo e estava no projeto da peça. O Zé Celso precisava de um ator para o papel do Rei Claudio. Foi quando falei sobre o Alexandre.” Após um teste, o ator nascido em Santos passou a integrar a montagem do diretor tropicalista, ocasião em que conheceu a hoje ex-mulher Júlia Lemmertz.

Por todos esses caminhos e “descaminhos”, Mariana conta que o apreço pela obra de Vinicius só crescia embora ainda não tivesse uma forma reconhecível enquanto projeto – “não era para ser teatro”, conta. Foi o convite do pianista português João Vasco que completou a parceria, explica Borges. “Ele queria homenagear Fernando Pessoa, ao que nós sugerimos um artista brasileiro.”

Ao lado da cantora portuguesa Sofia Vitória, os dois casais – português e brasileiro – adentram textos de um dos heterônimos de Pessoa, Álvaro de Campos, e canções eruditas compostas na parceria de Claudio Santoro com Vinicius. “Sugeri ao Alexandre essas músicas, que não são populares, mais conhecidas.”

Nessa tertúlia, o quarteto se alterna entre música e poesia. Borges diz que o resultado é um espetáculo que resgata o amor romântico e as desilusões. “É um lugar em que a poesia é mais forte que a psicologia ou a filosofia.” Desde a estreia, o espetáculo já passou pela Alemanha e Colômbia, além de Salvador e interior de São Paulo. No Rio, a montagem festejou os 98 anos de Vinicius em espaços como a Casa Villarino, ponto de encontro de Vinicius e Tom Jobim, numa sessão especial para 30 pessoas, e no Nós do Morro, sede da companhia de teatro no Morro do Vidigal. “É uma peça que tem liberdade, que cabe para trinta pessoas e para 3 mil, como foi no Teatro Castro Alves, em Salvador”, diz a atriz. Mariana adianta ainda que tem mudanças a fazer. “Quero incluir alguns textos reunidos e lançados este ano,” conta sobre a coletânea Todo Amor, recém lançada. “Só não avisei o Alexandre ainda.”

O ator acrescenta que era importante manter o clima de boêmia não apenas no nome do espetáculo. “É um modo de resgatar o ambiente de encontro dos intelectuais da época, que era nos bares e cafés.” Para ele, essa flexibilidade injeta mais poesia à montagem já que o roteiro não é tão fixo e permite a participação da plateia. “As pessoas podem sugerir textos e, às vezes, convidamos alguém ao palco para ler,” conta Borges, e cita o momento mais emocionante: o Soneto da Fidelidade, gravado com Toquinho e Maria Creuza, em Buenos Aires.

Ao reunir a construção poética de artistas fundamentais, o ator explica que Poema Bar experimenta dessa força que Vinicius e Pessoa deixaram não só para o Brasil e Portugal, mas para os demais países de língua portuguesa. “Eles são reveladores porque tiveram coragem de abrir o coração e dizer o que queriam.” E é nessa lacuna que o espetáculo quer se abrigar. Para ele, essa troca de afeto e calor humano têm se tornado cada vez mais raras e importa muito em tempos nos quais uma massa de usuários na internet não tem muito a dizer. “Há uma tendência virtual de que tudo passa a ter mais relevância que os encontros reais.”

Um episódio desse está ainda fresco na memória do ator. No ano passado, vazou um vídeo íntimo no qual Borges aparece com travestis em uma festa particular. Como matéria-prima da internet, o vídeo logo viralizou, rendendo processos, movidos por uma das pessoas presentes, contra sites e portais de notícias que divulgaram o material. Apesar de se tratar de um assunto pessoal, na época Borges afirmou que “não houve consumo de drogas nem relação sexual”.

A repercussão foi tamanha que a TV Globo cogitou diminuir o papel de seu personagem Patrício, par romântico de Malu Mader, na novela Haja Coração, que terminaria dali a dois meses. A ideia era uma medida para descansar a imagem do ator. Mais tarde, a emissora negou a decisão. Com o fim da novela, Borges passou os últimos tempos em Moçambique, “diferente de Angola”, como alguns veículos informaram erroneamente, ele explica.

Hoje, mais tranquilo, Borges não desmente nada. O encontro aconteceu. “Sou um homem do meu tempo, do meu mundo”, afirma. “E o que a gente faz é viver. As pessoas têm liberdade, é uma democracia e todos podem falar o que quiser. Digo que não tenho restrições ou preconceito com ninguém.”

Nos intervalos entre o espetáculo, Borges também dá atenção à própria saúde em sessões de fisioterapia. Em 2016, ele passou por uma cirurgia devido a um desgaste nos ossos do quadril. “Na correria de novela em novela, é preciso se cuidar. O jeito é aproveitar essas folgas para fazer um check-up. Já tenho 51 anos, são coisas que acontecem.” Nesse ritmo, o ator intui que a solução é se voltar para seu ofício de ator e confere aos artistas a missão de resgatar essa sensibilidade mútua. “Somos agentes que persistem em buscar um contato mais real com as outras pessoas,” diz. De fato, uma experiência não sem risco. “Vamos em frente, enfrentar as paixões e também desilusões, que fazem parte de viver.”

POEMA BAR

Teatro Sérgio Cardoso

Rua Rui Barbosa, 153. Tel.: 3288-0136. 5ª a dom., 20h. R$ 40.

Estreia 6/7. Até 16/7

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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