A carreira de Hans Zimmer é de números exagerados: são mais de 160 créditos como compositor e nove indicações para o Oscar (e uma vitória, por O Rei Leão, de 1994). Ele fez a música de tudo quanto é tipo de filme, de dramas como Rain Man (1988) a animações como Kung Fu Panda, e colaborou com cineastas tão distintos quanto Terrence Malick, Ron Howard, Steve McQueen, Ridley Scott e Zack Snyder. Nos últimos anos, estabeleceu uma parceria bastante sólida com Christopher Nolan, iniciada com Batman Begins e seguida por Batman – O Cavaleiro das Trevas, A Origem, O Cavaleiro das Trevas Ressurge e o novo Interestelar, pelo qual disputa o Globo de Ouro de trilha sonora no próximo dia 11. O alemão nascido em Frankfurt e radicado nos Estados Unidos foi homenageado no 10º Festival de Zurique com prêmio pelo conjunto de sua obra. Na ocasião, Zimmer falou com o Estado.

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Como escolhe seus projetos, já que há muita diferença de qualidade entre 12 Anos de Escravidão e O Filho de Deus?

Vamos começar com uma premissa muito simples: não acho que ninguém se proponha a fazer um filme ruim. Todo o mundo trabalha bem duro para realizar um bom longa. Às vezes as coisas funcionam, às vezes não. Não significa que os filmes ruins podem ser perdoados. Eu aprendo mais com o fracasso do que com o sucesso. E muitas vezes você só quer trabalhar com seus amigos. Na verdade, eu sempre quero trabalhar com amigos. Mesmo se o filme não é muito bom, eu posso achar meu espaço para fazer algo de bom. Nunca penso como carreira. A música é a minha vida. Comecei a fazer música quando tinha 4 ou 5 anos. Quer dizer, não sei se dava para chamar de música: comecei a fazer barulho. Não é que um dia vá me aposentar. Vou continuar fazendo barulho até me falarem para parar, e mesmo assim não vou parar.

Você trabalhou com vários cineastas diferentes. Com cada um tem um processo diverso? Ou eles que se adaptam ao seu jeito de trabalhar?

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Minha maneira de trabalhar é a anarquia completa. Nunca faço o que o diretor me diz para fazer porque não é o meu trabalho. Eu preciso fazer o inimaginável. Há um mandamento básico para todos os que trabalham no filme: estamos lá para protegermos uns aos outros. Para acreditarmos uns nos outros. Senão não podemos ser livres, não podemos experimentar. Acho que é importante ser provocativo. E os bons diretores gostam disso.

Mas muitos compositores trabalham apenas quando o filme está pronto, e você não.

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Eu não. A tecnologia mudou tudo. Nos velhos tempos, quando comecei, o montador ficava na sala de montagem, editava e mandava o filme pronto para o compositor. Isso mudou com os computadores. Eu gosto quando a sala de edição é no meu estúdio, ou às vezes eu levo o meu estúdio à sala de edição. Gosto quando há uma verdadeira colaboração. No começo de um trabalho, falo sobre música, eles, sobre história, e no meio eu estou falando mais de história, eles, de música. Quando Ridley Scott estava fazendo Hannibal – A Origem do Mal, um domingo ele voltou da filmagem, exausto. E vimos uma cena em que uma lágrima rola pelo rosto de Clarice. Eu achava que ela estava apaixonada pelo Hannibal. Ridley, que ela estava com nojo. Em pouco tempo, estávamos numa discussão apaixonada. Percebi: “Nossa, somos três homens, eu, Ridley e o montador, brigando por causa da lágrima no rosto de uma mulher. Que vida incrível eu tenho!”. Lido com isso, com a paixão.

Você foi indicado para o Oscar nove vezes…

Não sei, não presto atenção nessas coisas.

Mas qual sua relação com O Rei Leão?

Eu não queria fazer. Achava que as animações da Disney eram musicais da Broadway e não gosto dos musicais da Broadway fofinhos. Mas tinha uma filha de 6 anos e sempre quis levá-la a uma pré-estreia. Estava sendo um pai egoísta, queria me exibir para minha filha. Então aceitei. E algo muito estranho aconteceu. Eu estava lidando com tudo de forma muito trivial, mas percebi que o filme era sobre uma criança perdendo seu pai. Eu perdi meu pai quando tinha 6 anos de idade e nunca quis lidar com isso. Nunca falamos sobre o assunto. De repente, precisava lidar com isso. Esse desenho bobo no fim tornou-se algo profundo para mim. Às vezes você depara com algo que não esperava, que te emociona e te transforma. Todo filme me transforma.

Você se considera um artista ou um artesão?

Hum… Artista com “a” minúsculo. Na Alemanha, há uma diferenciação entre a “Música” e a “música”. Música de concerto é “Música”. Para eles, o que faço é entretenimento. Mas não tenho vontade de pensar nisso. Porque é minha vida, só tenho essa e apenas posso fazer um bom trabalho, o melhor possível. Às vezes envolve fazer o encanamento, outras, criar uma pintura maravilhosa. Acho que prefiro ser um “entertainer” que se comunica com muitas pessoas do que estar enclausurado numa torre de marfim. Para mim, há dois tipos de música: boa e ruim. Eu tento escrever boa música. Claro que às vezes eu falho. Graças a Deus tem um próximo filme para tentar consertar as coisas. No fim, me considero um estudante.

Como você faz para não se repetir?

Eu me repito, é inevitável. Há certas ideias que são recorrentes, fora que existe a pressão do tempo, porque o filme precisa estrear. Nem sempre você consegue completar sua ideia. Eu tento sempre ser um Hans Zimmer melhor. Veja, fizemos Batman Begins sem saber que ia haver outros. Então um pequeno “motif” teve de se estender por dez anos da minha vida. Mas o que eu e Chris Nolan fizemos tornou-se parte do “zeitgeist”, então nossas ideias começaram a aparecer em todos os outros filmes. Uma coisa que era nossa foi sendo diluída por outros. Aí fica complicado, é preciso tentar inventar novas coisas.

Ainda se diverte com a música?

Amo a música das outras pessoas. Adoro passar tempo com outros músicos. Sou um geek. Se eu vejo um piano, preciso tocar. É meu refúgio, minha casa, onde me sinto mais confortável.