O programa Antônia, que a Globo exibe às sextas-feiras, representa mais do que uma produção sobre quatro garotas que cantam rap. É uma tendência nas artes e nos meios de comunicação que promete se tornar cada vez mais forte: temas ligados a bairros periféricos, populações carentes e grupos de destituídos. Esses têm adquirido um destaque inédito na televisão, no cinema, na literatura e nas artes visuais. O que se vê na segunda temporada da série não é um fenômeno isolado e vem a reboque de uma certa visibilidade que sociedades e países inteiros passaram a ter no cenário político e econômico internacional. Em festivais de cinema, em bienais de arte e em feiras de literatura, há uma crescente oferta de obras vindas de países da Ásia, da África e da América Latina.
Mesmo em países mais desenvolvidos, as ?comunidades carentes? têm recebido atenção dos meios de comunicação. E tanto da teledramaturgia – caso de Cidade dos homens, Vidas opostas e agora, em Duas caras -quanto da reportagem, em programas como Central da periferia, dão um relevo especial ao tema.
Não se trata apenas de incluir um núcleo pobre dentro de uma novela, mas criar uma nova dramaturgia na qual toda a ação, desenvolvimento e desfecho se passa entre as camadas mais baixas da população. O sucesso recente de Marcílio Moraes com Vidas opostas e a incrível repercussão do filme Tropa de elite confirmam a consistência dessa vertente.
Antônia também faz parte desse universo pobre, negro, mestiço, terceiro-mundista, violento e – como essa lista já revela – estereotipado. A série é baseada no filme homônimo de Tata Amaral. É a história de quatro garotas de Brasilândia, bairro pobre de São Paulo, que buscam se tornar conhecidas como cantoras de rap. A temporada do ano passado conseguiu boa audiência, repetida pelo primeiro capítulo da série em 2007, e chegou a 31 pontos com pico de 33.
A produção brasileira não deixa de ter suas semelhanças com outra série ligada ao rap, a malfadada Platinum, de 2003, que tratava do universo rapper dos Estados Unidos. A despeito das inúmeras diferenças entre as duas, há em comum uma tendência à simplificação dos acontecimentos. Temas como maternidade, drogas, violência e pequenas discussões pessoais têm de ser tratados e concluídos a cada capítulo, o que explica a dificuldade em se aprofundar os assuntos. Nesse segundo ano da série, elas já conquistaram um relativo sucesso e excursionam país afora em ônibus, o que lhes oferece uma oportunidade de novos acontecimentos, além das dificuldades da vida em bairro pobre, exploradas no ano anterior.
Leilah Moreno, que interpreta Barbarah, Quelinah, que faz Mayah, Cindy Mendes, que dá vida a Lena e Negra Li, na pele de Petra, emprestam boas vozes e uma boa interação entre suas personagens. O registro em película também dá uma aparência mais granulada à imagem e – combinada com os ambientes noturnos freqüentados pelo grupo musical – mais escura. É bonita, elegante, mas um tanto soturna também.
Antônia é um programa sobre mulheres, sobre negros, sobre pobres, mas se esforça para ser algo além disso. Boas causas não garantem boas atrações.