Alegria “apassionatta” de Raul Cortez

O italiano Genaro, de “Esperança”, é o primeiro artista que Raul Cortez interpreta. O ator atribui à música e à sensibilidade do pianista a “extrema alegria de viver” que tem experimentado nos últimos tempos. Não que ele misture vida e fantasia. Afinal, Genaro passou por poucas e boas até encontrar o filho Toni, vivido por Reinaldo Gianecchini, e está longe do que se considera um homem feliz.

Mas, para alguém que diz ser ator por julgar a realidade “muito chata”, viver um artista é uma dupla oportunidade de transformação. “Eu preciso acreditar que vivo outra realidade, que sou outra pessoa. Interpretar é reagir a um dia-a-dia às vezes não muito agradável”, justifica.

Em 45 anos de profissão, Raul fez inspirados retratos. Tipos como o “playboy” Miguel Fragonard, de “Água Viva” em 1980, o bicheiro Célio Cruz, de “Partido Alto” em 84, e o vigarista Herbert, de “Brega e Chique” em 87. Dos mais recentes, Genaro é o terceiro italiano, em três obras de Benedito Ruy Barbosa. Mas o ator ainda se surpreende com a pergunta sobre a preocupação em diferenciar o pianista do carrancudo Geremias Berdinazzi, de “O Rei do Gado” em 96, e do galante Francesco, de “Terra Nostra” em 2000. “Sempre faço brasileiros… Qual o problema de fazer um italiano de vez em quando?”, questiona, com indisfarçável satisfação. Mas esclarece que cada um veio de uma diferente região da Itália e tem, portanto, sotaque próprio.

Como nos personagens, é também nos detalhes que Raul manifesta sua elegância natural. Mesmo nas críticas, mantém a voz suave e os gestos comedidos, ainda que revele insatisfação. Atualmente, a maior delas é a falta de tempo para si próprio, conseqüência do ritmo “atropelado” de “Esperança”. “Eu tenho de estar aqui o tempo inteiro, porque não sei o que acontece amanhã. Ninguém tem o direito de roubar tempo de vida dos outros”, indigna-se. Nada que lhe tire, no entanto, o prazer de seu instrumento de transformação. “Quando faço um Genaro, estou dizendo: ?Obedeçam a sua sensibilidade, enterneçam-se com os outros?”, ensina, visivelmente tomado pela ternura do personagem.

P

– O que o levou a aceitar o terceiro personagem italiano, em três obras seguidas do Benedito Ruy Barbosa?

R

– Em primeiro lugar, o texto do Benedito e a direção do Luiz Fernando Carvalho, que eu gosto muito. Além disso, o personagem tem uma humanidade absolutamente extraordinária. O que me encanta é um mau humor que ele tem, um não acomodamento na sociedade, na vida. Ele ainda não encontrou muito bem o espaço dele. E é um grande artista. Isso tudo traz uma riqueza de temperamento muito grande. Quanto ao fato de ser italiano, eu estaria mentindo se dissesse que me preocupo com isso. Cada um é diferente do outro. As regiões onde eles moravam são completamente diferentes, os dialetos são diferentes. Então, o que eu procurei fazer foi dar um acento diferente no português que eles falam.

P

– Como você vê a relação de seus personagens com mulheres tão mais jovens? Em “Terra Nostra”, foi a Paola, de Maria Fernanda Cândido. Agora, a prostituta Malu, vivida por Tatiana Monteiro…

R – Eu estava quieto no meu canto e elas apareceram… Eu não fiz nada para isso acontecer, mas foi maravilhoso. A Maria Fernanda é minha grande amiga até hoje. Na realidade, eu acho engraçada a atração que as mulheres têm pelos homens mais velhos. Isso me faz dizer aos que têm a minha idade: “Calma, nada está perdido…”. Eu não sei de onde vem isso, mas, sem dúvida, é muito interessante.

P

– Que critérios você usa para avaliar seu trabalho?

R

– Eu acho que o ator é um agente social. Para mim, ele perde o significado quando deixa de ser. Eu fui criado dentro do teatro político, e compreendi que o artista tem de ser um transformador social. E é muito gratificante você saber por que está aqui, como é que você tem de dar seu recado. É fantástico quando você consegue chegar aos outros. Um trabalho é bom quando traz emoções, faz perguntas, exige soluções.

P

– Em 45 anos de profissão, qual foi a melhor e a pior coisa que a carreira lhe trouxe?

R

– Acontece um processo muito louco com a gente. Você luta para ter o seu trabalho reconhecido, luta para ser popular. Aí, quando você se torna popular, você começa a se esconder de todo mundo, começa a fugir, a não querer falar com ninguém. Eu acho inexplicável isso. A perda de privacidade realmente é ruim. Mas, ao mesmo tempo, eu ficaria muito triste se não fosse reconhecido nas ruas.

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