Alceu Valença estreia o primeiro filme como diretor e tem discos inéditos

Alceu Valença marca o tempo na base da embolada, da rima bem ritmada. Compositor de poemas musicais, ele se aventurou pelo cinema uma vez como ator (em A Noite do Espantalho, de Sérgio Ricardo, de 1973), e agora traz para as telas sua primeira experiência como roteirista e diretor com A Luneta do Tempo, com estreia prevista para esta quinta, 31.

O longa estrelado por Irandhir Santos e Hermila Guedes – que ganhou um diário de filmagens do jornalista Julio Moura, lançado em livro com fotos de Antonio Melcop – é apenas um dos itens de uma série que marca a entrada de Alceu no círculo dos setentões no dia 1.º de julho.

Com seis canções na telenovela Velho Chico, seja como autor ou intérprete, ele ainda terá relançados os primeiros álbuns solos de vinil – Molhado de Suor (1974), Vivo (1976) e Espelho Cristalino (1978). Desse período, ainda sai em CD e DVD a gravação inédita do show Vivo! Revivo!, com repertório do início da carreira.

Moça Bonita (Geraldo Azevedo/Capinan) e a inédita Flor de Tangerina (de Alceu) foram gravadas exclusivamente para a trilha da novela. As outras quatro são clássicos de seu repertório: Belle de Jour, Pedra de Sal e as parcerias com Geraldo Azevedo Caravana e Talismã, incluídas na Suíte Correnteza, interpretada por Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai.

Outra preciosidade que finalmente ganha edição brasileira oficial é Saudade de Pernambuco, gravado em 1979, e lançado em edição limitada durante a estada do compositor e cantor na França. O álbum só tinha aparecido por aqui numa coleção genérica de Sertanejo & Forró do extinto Jornal da Tarde, em 1998, e passou despercebido.

Esse período, que precedeu o sucesso popular desde Coração Bobo (1980), vai ser o tema de um documentário sobre Alceu pelos cineastas Lírio Ferreira e Claudio Assis, pernambucanos como ele e quase todo o elenco e equipe que participaram de A Luneta do Tempo. “Não sei o que vai ser esse documentário, mas tenho muitas imagens da década de 1970, também da época em que morei em Paris.”

Como bem lhe convém, Alceu partiu da música e do ritmo para narrar uma aventura com base nas memórias de infância, em sua São Bento do Una, interior de Pernambuco, com as lendas cangaceiras de Lampião e Maria Bonita e a influência do mestre Luiz Gonzaga (1912-1989) na bagagem.

A trilha sonora de A Luneta do Tempo (Deck), que acaba de sair em CD duplo com 28 faixas, foi composta antes do filme e é seu ponto forte. Algumas das canções funcionam fora da trama e podem até figurar no repertório dos próximos shows de Alceu.

É uma longa história, que durou 14 anos desde o esboço do roteiro, até a versão final. O filme tinha como título original Cordel Virtual. Inexperiente atrás das câmeras, Alceu contatou Walter Carvalho e Andrucha Waddington para dirigi-lo, mas eles tinham outros compromissos e declinaram do convite. Isso dificultou a captação de recursos.

Foi então que ele foi estudar técnicas cinematográficas que desconhecia. Ao contrário do que se insinua, não foi a linguagem de Glauber Rocha que o inspirou, mas o cinema dos franceses Godard e Truffaut. “O filme de Glauber tem lindos enquadramentos, mas é teatral. O meu não tem nada a ver com o dele. Apesar de ter sequências depois da morte, é real. Tudo tem um sentido.”

Trata-se de um filme meio musical meio faroeste, passado entre as décadas de 1930 e 1960, que procura fugir da linha tradicional desses gêneros e também dos filmes sobre confrontos entre cangaceiros e volantes. Muitos elementos em cena, como os cantadores de feira, o circo em que, em breve aparição, Alceu interpreta seu tipo inesquecível, o palhaço Velho Quiabo, vêm da cultura popular que fazem parte de sua história.

“Li muitos cordéis, meu avô fazia cordel. Depois, li autores mais eruditos que escreveram sobre o cangaço. Na minha cidade, também tinha emboladores, cordelistas, e eu ouvia histórias que minha família contava, que eram sobre invasões de propriedades, por cangaceiros.”

Uma fala marcante do personagem (mantida na introdução do tema Flauta do Abandono no CD) é: “O poder é irmão da polícia, que é prima carnal do Estado e de uma cega chamada Justiça”. Qualquer semelhança com a realidade atual do Brasil não tem coincidência. “Lampião jamais faria esse discurso que eu faço. Essa questão é minha”, diz Alceu. “Ele é um personagem mítico. Eu tinha de contar uma história, então o escolhi. Mas não é a história dele. Eu me introjeto no personagem”, conta o autor que também interpretou Lampião como ator bissexto na novela Mandacaru, dirigida por Walter Avancini, em 1997, com Daniela Mercury no papel de Maria Bonita.

Narrado em forma de cordel, ritmado e rimado e em movimento circular como o tempo (aludido no formato da luneta, do circo e em outras imagens), o filme mistura duas épocas e tem uma bela sequência do casal protagonista no plano onírico, em cenário deslumbrante do alto de um rochedo no sertão simbolizando o purgatório. É um trato de delicadeza dentro da dureza do universo sanguinário do cangaço.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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