São Paulo – Dolores que amava Carlos que amava Maria Julieta que amava Octavio que… o final desta peculiar versão de Quadrilha está no livro de memórias Rosário de Minas (Lidador, 422 páginas, R$ 59), que Octavio Mello Alvarenga lança hoje em São Paulo. Além de contar momentos pitorescos de sua vida, Octavio deixa registrado um ajuste de contas com o Carlos em questão, o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Alvarenga era apaixonado por Maria Julieta, filha do poeta e de Dolores, mas sofria com o que afirma ser uma relação doentia entre pai e filha. Drummond é apontado como um tirano dominador, responsável pela morte de Maria Julieta, se não pelo câncer que a vitimou.
O assunto é o ponto mais forte das memórias, ofuscando injustamente passagens interessantes, como a infância e adolescência do escritor, especialmente o bom humor com que narra as tentativas de furar o cerco contra as tradições religiosas das famílias mineiras. A escrita é limpa e permite que se escutem as vozes dos personagens.
Menos humor
O bom humor diminui, porém, quando trata da sofrida paixão por Maria Julieta. “Estou traindo Octavio”, escreve ele, na pessoa da mulher amada. “Não estou voltando por causa dele. Volto para o meu pai. Isso é difícil, quase impossível de dizer, meu Deus. É um pesadelo pensado, existe isso meu Deus? Tão cruel”.
Alvarenga conta que Maria Julieta retornava para a casa do pai fingindo não saber pequenos delitos do poeta, como a subtração da correspondência que ela mantivera com Rubem Braga. Para isso, o escritor dedica todo um capítulo, intitulado Dois Crimes contra Maria Julieta: No Corpo e no Arquivo Violentado.
O desprezo com que Alvarenga trata Drummond, um dos poetas mais amados do Brasil, é surpreendente, especialmente nos pontos em que sua raiva incontida é traduzida sem preocupação em manter a delicadeza estilística: “CDA é um assassino em potencial da própria filha. Não pretende outra coisa para coroar a vaidade ferida”. E ainda: “Na paranóia de CDA, a filha é um obstáculo ao exercício da “Missão Agamenon”. Nenhum pai trepa com a filha”. E conclui: “Como a parceira, no caso, deve ser punida, o mal em causa pode sobreviver, mas a filha, traidora, adúltera contra o próprio pai, tem de morrer”. Apesar de ainda sugerir sem comprovação que “muitos escritos assinados pelo autor de Rosa do Povo são de autoria da esposa Dolores”, Alvarenga transforma suas memórias em uma escrita marcada pela liberdade.