No anos 80, a jovem gaúcha Adriana da Cunha Calcanhotto se apresentava em bares de Porto Alegre com seu violão cantando Lupicínio Rodrigues, Chico Buarque, Caetano Veloso e outros pilares da música brasileira. Bastou um ano para perceber que ali não teria futuro.
“Foi tão intenso que parece que foram 11 anos, e não um. Eu nunca fui crooner, era voz e violão arriscando canções novas. Mas as pessoas queriam ouvir as músicas tal qual as conheciam. Até o dia em que o cara da primeira fila, bêbado, falou: ‘Eu não conheço essa música, não vou aplaudir'”, lembra Adriana, que em 1989 se mudou para o Rio, em definitivo.
O Nome da Cidade, do repertório daquelas noites – que Caetano, compôs para a irmã Maria Bethânia sob a inspiração de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, para seu show homônimo de 1984 -, abre o CD e DVD ao vivo Olhos de Onda, que Adriana lançando agora pela Sony. O registro foi filmado em fevereiro, no Rio.
Cantar “a gente chega sem chegar/ não há meada, é só o fio/ será que pra meu próprio rio/ este rio é mais mar que o mar?” na cidade que a espantou e a acolheu em 1989 fez muito sentido. “Quando cheguei ao Rio, me senti como Macabea. Toquei essa música num show de voz e violão na (extinta) boate People e o Caetano ouviu e falou: ‘Que música linda! Não me lembrava dela.'”
Com Adriana, um banquinho e um violão, o show Olhos de Onda foi montado a partir de um pedido vindo de Portugal, país que a recebe como estrela da MPB desde os anos 90. Adriana estava apartada do violão havia dois anos, por causa de uma lesão no punho, e viu no convite um chamado a voltar ao instrumento. Pegou um violão comprado anos antes em Madri e se pôs a ensaiar. “Foi a melhor parte. Estou tocando com mais economia. O violão não é mais o mesmo, eu não sou a mesma.”
Além das canções mais populares dos 24 anos de carreira discográfica, como Inverno, Esquadros e Vambora, ela canta Back to Black, hino de Amy Winehouse, e Me Dê Motivo, de Michael Sullivan e Paulo Massadas, gravada por Tim Maia – esta, incluída na trilha da nova novela das 19 horas, Geração Brasil, é candidata a repetir o êxito de regravações como Devolva-me (famoso com Leno e Lilian nos anos 60) e Fico Assim Sem Você (sucesso de Claudinho e Buchecha), que se tornaram hits de Adriana.
Três faixas são composições recentes, entre elas, a música-título. A onda alude ao mar tão presente na obra da compositora, que ainda está por concluir a trilogia iniciada com o disco Marítimo (1998) e retomada em Maré (2007).
Ao fim, ela abre para escolhas do público, que pede Seu Pensamento, Metade e Maresia. “O show é íntimo, não intimista, que é algo que se propõe a ser assim. Eu tenho intimidade com essas canções, e o show resulta íntimo por causa disso”, explica Adriana, que segue viajando com esse repertório até fevereiro de 2015 – o encerramento será no mesmo palco lisboeta da estreia, que aconteceu um ano atrás.
Até o fim, 2014 está tomado por projetos diversos. Dois são voltados ao público infantojuvenil, ao qual ela se dedica desde os lançamentos dos CDs como Adriana Partimpim. Em setembro, ela apresenta com a Osesp uma versão de Pedro e o Lobo. Está se ocupando de uma versão para o português da história do russo Sergei Prokofiev, de 1936, a partir de uma partitura do acervo da Osesp em inglês. Depois de São Paulo, o espetáculo irá a Porto Alegre e a Lisboa. A música de Prokofiev, que aqui pretende introduzir as crianças no universo dos instrumentos orquestrais, será misturada ao repertório de Partimpim, tudo sob arranjo do pianista André Mehmari.
Adriana também está trabalhando numa antologia de haicais de poetas brasileiros, como Paulo Leminski, Mário Quintana e Carlos Drummond de Andrade. “E, como eu não tenho nada que fazer, comprei um violão de sete cordas, pra complicar um pouco mais a minha vida…” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.