Ainda não havia jazz, blues, funk nem frevo quando ele veio ao mundo. E esses ritmos certamente não teriam a mesma alma se ousassem nascer sem o saxofone. Seu criador é Adolphe Antoine Joseph Sax, que nesta quinta-feira, 6, faria 200 anos e estaria coberto de glórias muito maiores que o tempo lhe daria se não tivesse morrido aos 80 anos, falido, amargurado e dependente de uma pequena pensão do governo francês. Um dos instrumentos mais quentes, de mecânica precisa e timbre dos mais belos, teve como criador um dos homens mais injustiçados da música.

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Adolphe Sax era um garoto judeu de Dinant, Vale de Meuve, Bélgica, filho de pai carpinteiro especializado em concertos de instrumentos de sopro e metal. Uma habilidade que herdou nos genes e que o faria um aficionado em projetar novas peças enquanto estudava flauta e clarinete na Royal School de Bruxelas. Tocava e bem, com uma carreira promissora se não fosse a inquietude dos construtores. Adolphe sentia que entre os sopros dos instrumentos de madeiras e os de metais que existiam até então, algo poderia ser melhorado.

O saxofone foi criado de uma costela do clarone. Isso em 1834, quando Adolphe inspirou-se no formato de cachimbo em algo de mecânica que percebeu ao terminar de aperfeiçoar um clarone baixo. Sete anos depois, ele criou a primeira peça da família, um sax baixo. E, a partir deste, diminui tamanhos e desceu extensões criando o barítono, tenor, alto, soprano e sopranino. Em 1846, com a prole completa, patenteou o instrumento em seu nome.

Seria a glória se não fosse a inveja. Ao mesmo tempo em que realizava o sonho de tocar um instrumento absolutamente original e de lecionar sobre ele no Conservatório de Paris, Adolphe Sax teria sua autenticidade contestada e seria perseguido por defensores da tradição que se opunham à presença da nova família nas salas de concerto. Seus territórios se expandiam rapidamente desde uma exibição na Paris Industrial Exibicion, com aprovação unânime àquele som “estranho e belo”. O compositor romântico francês Hector Berlioz não se conteve: “Nenhum instrumento que conheço possui essa estranha sonoridade que fica bem no limite do silêncio”.

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Acusado sem sustentação de ter roubado a ideia do sax, Adolphe começou a gastar o pouco que tinha para se defender nos tribunais. Músicos tradicionalistas fizeram lobby contra sua criação, subornando outros instrumentistas para que não tocassem o sax nas orquestras. A partir de 1870, antes mesmo que Adolphe pudesse ganhar algum dinheiro com sua invenção, a patente expirou, abrindo o caminho para a fabricação em série por empresas que se tornariam referências, como a francesa Selmer Company. Adolphe Sax não desfrutou da riqueza que uma das maiores criações musicais do século 19 poderia render. Se vivesse cem anos a mais, veria seu filho ganhar o mundo.