Adeus, Vampiro

d11.jpgQuando Nelsinho despertou de um sonho agitado, viu que se transformara numa espécie encantada de vampiro.

Uma nova raça, que já não bebe o sangue – apenas mordisca e sopra a nuca das bem-queridas. Com direito a sete beijinhos de língua titilante, por que não?

Um vampiro só de emoções e sentimentos. Um ladrão furtivo de almas solitárias.

Drácula que já não mutila nem estripa corpo de virgem – celebra gentilmente em prosa e verso as suas fofuras. Nada de abrir uma cova no peito das noivas.

Não se alimenta de sangue mas de sonhos, confissões, palavras ao vento.

Esse vampiro, quem diria, tem coração de pintassilgo. Ou corruíra, se assim prefere. Já não crava os caninos e as garras – mais chegado a sábios toques e blandícias erógenas. Para merecer o beijo puro na catedral do amor é capaz de voar, sim, voar nas asas brancas da luxúria. E, a fim de alcançar um gozo proibido, com todo o vampirismo desce da nobreza e, de joelho e mãozinha posta, faz o que o seu benzinho quer.

Nosferatu de delicadezas e delícias. Viciado, sim, na ciência da sedução, as manhas da traição, as artes da perversão, as dores secretas do amor, os mistérios da paixão.

Frestador da janela aberta. Espião na fila de ônibus às seis da tarde na Praça Tiradentes. À escuta nos bancos da Praça Osório. Pra cá pra lá quem voga e vigia, na sua nave fantasma, à sombra da Igreja de Santo Stanislau?

O meu vampiro é um doce traficante de ilusões. Inofensivo? Nem tanto. Esconde o humor atrás do óculo azul e as trancinhas rastafári. Um vampiro tímido, já pensou? Ou a timidez é disfarce para instigar a confissão dos ingênuos João e Maria. Toma três cafezinhos na Boca Maldita – as humildes garçonetes, nunca se sabe, heroínas da tragédia curitibana?

O meu vampiro não é viageiro das sombras. Um mutante que ama, sim, o ar livre: capa preta (o forro vermelho de seda) ao vento, pedala fagueiro pelas ciclovias. Além do mais, caçador submarino de estrelas-do-mar, sereias calipígias e pecados vergonhosos.        

Predador e vítima, a sua eterna danação é a ninfeta, a mocinha, a mulher. Arrebatado em loucas paixões seculares com avós, mães, filhas e netas. Por elas condenado para sempre a louvar na flauta doce as suas prendas e graças – ó exército de peitinhos em posição de sentido apresentando armas! ó bundinhas aguerridas em desfile com bandeiras desfraldadas!

Nem só de abismo de rosas é a existência de um vampiro. A sua estaca no peito dói – até o fim dos tempos! – cada vez que olha uma mulher, cada mulher, toda mulher. Um vampiro, esse, que jamais dorme – e sonha acordado com as mil amadas perdidas. Os tantos amores idos e bem vividos são o preço da sua insônia infinita.

Conde famigerado foi, não é mais: nas entranhas do vampiro dorme o mocinho de família prestes a acordar. Filhos da noite escura da alma, alcatéia de lobos uiva em longo adeus às portas do seu santuário.

Príncipe notívago da lua cheia. Malferido em gloriosas batalhas eróticas no leito de sarças ardentes. Da espécie em extinção o último.

Drácula, Nosferatu, Nelsinho, tem um sonho recorrente: eis afinal o dia em que o velho castelo (quando pintará os seus muros desbotados?), com a cabana, os cedros, a fiel Rikinha, se elevará pelos ares numa apoteose de luzes brilhantes.

E sumirão todos na noite sem fundo do esquecimento.

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