São Paulo – O artista pernambucano Cícero Dias morreu ontem em Paris, onde morava desde 1937. Como informou o galerista curitibano e amigo da família do artista, Waldir Simões de Assis Filho, Cícero morreu em casa, no seu endereço há 40 anos, na Rue Long Champ, às 9h (horário de Brasília), sem nenhuma causa específica. Cícero Dias será enterrado na segunda-feira, no cemitério de Montparnasse, após missa de corpo presente na igreja de Notre Dame de Grace de Tassy, às 10h30. Cícero estava para completar 96 anos no dia 5 de março. “Ele morreu tranqüilo e lúcido. Estava com sua mulher Raymonde, a filha e também pintora Sylvia e seus dois netos”, disse Waldir Simões, responsável, com o jornalista Mário Hélio Lima, pelo livro Cícero Dias – Uma Vida pela Pintura, lançado no ano passado aqui no Brasil, no Recife, em evento que contou com a presença do próprio Cícero Dias.
O pintor nasceu em 1907, na cidade de Jundya, a 53 quilômetros do Recife. Já aos 13 anos foi para o Rio de Janeiro, onde faria seus estudos. Lá teve contato com os modernistas e, em 1928, aos 21 anos, realizou sua primeira exposição, na verdade em uma mostra paralela ao 1.º Congresso de Psicanálise da América Latina. Os traços surrealistas de suas obras, então na maioria desenhos e aquarelas, já se faziam presentes e o artista chegou a ser considerado pelo escritor pré-modernista Graça Aranha como o primeiro manifestante do surrealismo no Brasil. Sua primeira exposição teve o apoio de amigos como Di Cavalcanti e Murilo Mendes. Foi na década de 20 que Cícero criou o famoso painel Eu Vi o Mundo… Ele Começava no Recife, que tanto impressionou os modernistas. Em 1932, voltou a seu Estado natal e, em 1937, mudou-se para a França, realizando lá, no ano seguinte, suas primeiras exposições. Em Paris, freqüentou o ateliê de Pablo Picasso, de quem se tornou grande amigo, ao ponto de o espanhol tornar-se padrinho de sua filha. Também teve como amigos André Breton e Paul Éluard. Entre outras histórias dessa época, há o episódio em que Dias ficou preso na Alemanha com o escritor Guimarães Rosa (veja matéria nesta página), que estava concluindo o livro de contos Sagarana.
A partir da década de 40, Cícero começou a trabalhar a abstração, mas o rigor formal foi se diluindo na década seguinte. Nos anos 60, o artista a pintar as figuras femininas e, a partir dessa época, sua obra se tornou uma mistura de flores, paisagens e personagens, entre tantos outros elementos. Era o artista brasileiro vivo mais valorizado no mercado internacional de arte. Alguns de seus quadros ultrapassam os 200 mil dólares.
Dias foi “pombo-correio” na 2.ª Guerra
Do alto da sua amizade de 15 anos com Cícero Dias (para quem foi apresentado por Juarez Machado), o marchand curitibano Waldir Simões de Assis Filho conta que o artista foi testemunha da História, e sempre viveu cercado de personagens ilustres, no Brasil e no mundo.
Foi colega de turma de Lúcio Costa e “veterano” de Oscar Niemeyer na Escola Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro. Na sua primeira exposição, aos 21 anos, caiu nas graças de Di Cavalcanti, Murilo Mendes e do escritor Graça Aranha. Na efervescência da década de 20, conviveu com todos os modernistas – Ismael Néri, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Oswald de Andrade – e conquistou a amizade de Heitor Villa-Lobos.
Em 1937, contrariado com o Estado Novo de Getúlio Vargas, resolveu aceitar um convite do amigo Di Cavalcanti e mudou-se para Paris, onde rapidamente se agregou à intelectualidade francesa. No ano seguinte, fez a primeira exposição, onde cativou Pablo Picasso. “Ele disse que o Cícero, além de um grande pintor, era um poeta da imagem”, lembra Simões de Assis. A amizade cresceu tanto que Picasso tornou-se padrinho de Sylvia, única filha do artista. Cícero também foi testemunha ocular da criação de uma das obras primas do mestre espanhol, a Guernica, e responsável direto pela sua vinda ao Brasil, junto com outras trinta obras, para a Bienal de São Paulo de 1953.
Mas o episódio mais fantástico em que tomou parte o artista pernambucano aconteceu durante a 2.ª Guerra Mundial, em meio à ocupação da França pelos nazistas. Simões de Assis relata: “Amigo do poeta francês Paul Éloard, Cícero Dias ofereceu-se para ir à Inglaterra, entregar o seu poema Liberté (Liberdade) ao poeta britânico Roland Penrose. Acomodou o texto no forro falso de um casaco e cumpriu o prometido. Penrose tinha ligações com a força aérea britância, a RAF (Royal Air Force), e conseguiu que o texto fosse impresso, reproduzido e lançado sobre a França ocupada”.
Cícero Dias também foi companheiro de cárcere de ninguém menos que Guimarães Rosa, à época cônsul do Brasil em Vichy. “O Brasil tinha rompido relações com a Alemanha e a Itália, e os dois foram presos em um hotel em Baden Baden simplesmente por serem brasileiros. Pouco depois, foram libertados em troca de prisioneiros alemães detidos no Brasil”, conta o marchand. (Luigi Poniwass)