O poeta baiano: amigo dos tropicalistas e guru da jovem guarda da MPB. |
Rio – O poeta e compositor Waly Salomão morreu ontem às 7h40, no Rio, aos 59 anos, vítima de um câncer no intestino com metástase no fígado. Ele estava internado desde o dia 23 de abril na Clínica São Vicente. A cremação do corpo foi marcada para hoje, às 9h, no Crematório do Caju, na Zona Portuária.
O ministro da Cultura, Gilberto Gil, amigo de Waly desde os anos 60 por conta do movimento tropicalista, compareceu ao velório. Salomão era amigo e colaborador – e atualmente secretário nacional do Livro e da Leitura.
Em nota oficial, Gil lamentou a perda do “colaborador incansável, apaixonado pelos livros, pelas bibliotecas, pelo prazer da leitura, pelo texto bem construído e pela poesia ousada, musical e encantante”, e que a morte de Salomão deixava “um vácuo imensurável” na cultura brasileira.
O poeta contava ter conhecido Gilberto Gil ainda no Colégio Central, na Bahia, nos anos 60. Numa das entrevistas que concedeu depois de assumir a Secretaria, afirmou: “Éramos uma esquerda marxista-existencialista, porque líamos Marx, Camus, Sartre e Merleau-Ponty, essa encruzilhada de paradoxos. Assisti aos primeiros shows deles, da Bethânia, do Tom Zé…”
Com Gil, realizou, entre outros trabalhos, a trilha sonora do filme Quilombo (1984), de Cacá Diegues, cujo lançamento só aconteceu no ano passado, quase 20 anos depois, numa caixa com parte da obra do ministro-cantor.
Nascido em Jequié (BA), estava licenciado do cargo no Ministério da Cultura por causa da doença, que teria descoberto há menos de um mês. No dia 17, por iniciativa do vereador Carlos Giannazi (PT), Salomão recebeu o título de Cidadão Paulistano, que não chegou a ser entregue.
“Fizemos coisas maravilhosas juntos, como (os shows) Fatal, Plural. Era um amigo nosso, uma pessoa jovem, cheia de vida, engraçada. A minha sensação é de muita tristeza e perplexidade com a vida. Como é que uma pessoa vai embora assim, de repente?”, lamentou Gal Costa ontem. Ela contou que está vivendo atualmente na Bahia e só soube da doença do amigo há três dias. “Foi uma surpresa terrível, tudo tão rápido…”.
Carandiru
Waly Salomão começou a escrever no início de 1970, quando esteve preso no Carandiru por porte de drogas. Na época morava em São Paulo, com Gal. Na prisão iniciou a produção de Me Segura Que Eu Vou Dar um Troço (1972), “misto de diário, poema longo e apocalipse”, como definiu Paulo Leminski numa resenha de Gigolô de Bibelôs (1983). Na editora Rocco, sua atual casa editorial, publicou Lábia (1998), Tarifa do Embarque (2000) e O Mel do Melhor (2001). Ele também é autor do perfil de Hélio Oiticica, Qual É o Parangolé, e produziu o filme Miramar, de Julio Bressane.
Também foi um dos nomes mais importantes da poesia da contracultura brasileira. Além da poesia, foi um ativo produtor dos shows e discos tropicalistas, particularmente com Gal Costa (um dos maiores sucessos da carreira dela, Vapor Barato, é de sua autoria).
Recentemente, Salomão viu-se envolvido numa polêmica. Seu livro Algaravias foi incluído no Programa de Apoio à Tradução de Obras de Autores Brasileiros, que concedeu nove bolsas a editores espanhóis, no valor equivalente a US$ 4,5 mil. O valor serviria para a tradução do livro na Espanha. Ele ironizou as acusações de favorecimento: “Infelizmente, os dotes de minha bola de cristal não poderiam supor, em dezembro de 2001, quando o projeto de tradução foi apresentado à Biblioteca Nacional e aprovado na gestão do professor Eduardo Portela, que eu ocuparia o cargo de secretário do Livro no Ministério da Cultura no governo Lula. Nem tampouco poderia eu renunciar aos prêmios Jabuti e Alphonsus Guimarães, recebidos pelo livro”.
Letras, livros, filmes de Waly
Waly Salomão foi ainda um letrista prolixo. Além de Vapor Barato, gravada por Gal Costa, são de sua autoria Talismã, Mel, Mal Secreto, Anjo Exterminado, Olho d?Água, Memória da Pele, e outras imortalizadas na voz de Maria Bethânia. Só Mel vendeu 1 milhão de discos. Também escreveu Assaltaram a Gramática, para Lulu Santos, Rua Real Grandeza, para Jards Macalé e Balada de um Vagabundo, para Cazuza. Com Antonio Cícero criou as músicas do disco Zona de Fronteira, de João Bosco.
E não esqueceu da jovem guarda da MPB: é o autor de Pista de Dança, do disco Maresia, de Adriana Calcanhotto.
No cinema, foi protagonista de Gregório, filme de Ana Carolina sobre o poeta Gregório de Matos Guerra.
Editou livros do amigo Caetano Veloso e de Torquato Neto, com quem já estivera no projeto Navilouca, revista publicada só depois da morte de Torquato, em 1972.
Em 1998, sofreu um infarto e foi parar na UTI do Hospital San Rafael, em Salvador. Depois disso, publicou Lábia, que chamou de seu “primeiro livro post-mortem”.