Héloïse Godet e Kamel Abdeli representam boa parte do tempo nus no novo longa de Jean-Luc Godard, que estreou na quinta, 30. Adeus à Linguagem marca a segunda experiência do autor com a terceira dimensão, após o episódio de 3x3D. “Nunca foi um problema (representar nu)”, diz Abdeli. Inclusive nem me lembro de isso haver sido mencionado quando fiz a entrevista para o papel”, ele conta. Héloïse acrescenta – “Representávamos olhando nos olhos. Confesso que nunca tive curiosidade de olhar para baixo” (e ela ri). “Havia muito mais sensualidade na minha relação com Jean-Luc. Embora estivéssemos separados pela câmera, ele ficava muito próximo e me indicava os gestos e olhares precisos que queria que eu fizesse. ‘Mais, mais, menos.’ Quem nos visse de longe podia pensar que havia um clima, mas não. Estou bem feliz no meu casamento.” E Abdeli – “Eu que o diga. Por mim, já teria havido alguma coisa entre nós.” E ambos riem.

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Abdeli e Héloïse estiveram na semana passada na cidade para falar de Adeus à Linguagem. “Além de ser um filme belíssimo, que eu me orgulho muito de ter feito, Adeus à Linguagem tem me levado numa verdadeira volta ao mundo. Em princípio, não parece o tipo de filme que os norte-americanos iam adotar, mas a crítica dos EUA foi consagradora. Adeus à Linguagem foi o melhor filme do ano passado para eles”, ela diz. E como se chega ao círculo de Godard, para filmar com ele? “Fui chamado para um teste que, na verdade, foi uma entrevista de 20 minutos com seu assistente. Filosofia e física são dois assuntos que me interessam muito. Conversamos sobre ambos, e ele me perguntou muito sobre minhas atividades cotidianas. Sobre o filme, propriamente dito, não falamos nada”, lembra Abdeli. E Héloïse – “Comigo ocorreu a mesma coisa. Foram 20 minutos de conversa, assuntos variados. O máximo que falei foi sobre meus Godards favoritos.”

E quais são? “Tive um impacto muito forte vendo O Desprezo, mas tenho a impressão que só adentrei no ‘meu’ Godard a partir de Weekend à Francesa.” E Abdeli? “O meu Godard do coração nem é um Godard de verdade. É Acossado, que nasceu de uma ideia de (François) Truffaut.” E Adeus à Linguagem? “Tenho acompanhado a apresentação do filme para diferentes plateias e, mais que as reações dos outros, me encanta o fato de que o filme está sempre se revelando para mim. São tantos detalhes, possibilidades. Godard é muito detalhista no que se refere a gestos, olhares, inflexões de voz. Se ele marca uma posição que você tem de ocupar no set, tem de ser aquela, exatamente aquela. Mas ele não fala sobre o sentido geral do filme. E muda muito. Reescreve o diálogo no set, ouve o que a gente diz, mesmo que, eventualmente, não lhe sirva para muita coisa. Fazer o filme foi enriquecedor, mas vê-lo muitas vezes foi melhor ainda”, conta Heloïse.

E Abdeli – “Para mim, é um filme em três movimentos, feito de metáforas. A arte, a guerra, o mundo animal. E cada uma delas tem seus leques. A arte permite falar de vida. A guerra, do complexo econômico-militar. E o mundo animal, da natureza.” O repórter brinca – todo mundo sempre diz que atores devem evitar contracenar com crianças e animais, que roubam a cena. No caso de Adeus à Linguagem, o cachorro, que é de Godard (e sua mulher, Anne-Marie Miéville), ganhou a Palme Dog no Festival de Cannes de 2014. “Mas nunca estivemos no mesmo plano que ele. Godard fez todas as suas cenas à parte e as inseriu na montagem. E apesar de ele ter ganho a Palme Dog e nós, nada, fiquei muito contente que Adeus à Linguagem tenha recebido ex aequo o prêmio do júri em Cannes com Mommy (de Xavier Dolan). O mais velho e o mais jovem autor da competição do ano passado dividindo prêmio. Achei muito bonito, principalmente muito sensível por parte do júri”, reflete Abdeli.

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A questão técnica, o 3D, não interferiu no jogo dos atores. “Era uma questão de Jean-Luc com o fotógrafo. Uma ou outra vez tivemos de refazer a cena, ou ensaiar alguma outra coisa, mas nunca a ponto de quebrar o intimismo”, ela lembra. E o adeus à linguagem? O filme representa o adeus de Godard a alguma coisa? “É curioso que todo mundo nos pergunte isso, mas eu senti o filme de outra forma e entrei nele diferente. Não é ‘adeus’ mas ‘a Deus'” (e Abdeli aponta para cima) a linguagem.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.