Há três anos, a leitura de uma biografia de Van Gogh despertou no pintor paulista Paulo Pasta um renovado interesse nos paisagistas das históricas escolas de Barbizon e Haia. Quando Pasta começou a pintar, ainda adolescente, viu algumas dessas paisagens reproduzidas em livros. Anos mais tarde, retratou paisagens de sua cidade natal, Ariranha, no interior de São Paulo, especialmente os canaviais. Mas, ao contrário dos pintores de Barbizon, Pasta não ia ao campo para pintá-las. Recorria à memória. E percebeu mais tarde, ao retomar a pintura de paisagem, que esse reencontro com a região de origem fazia exercitar não só sua memória afetiva, mas intelectual. Essas paisagens acabaram por amalgamar a história da pintura com a história pessoal do artista. “Foi a pintura que me ensinou a ver a paisagem, e não o contrário”, escreveu o pintor na revista Serrote, do Instituto Moreira Salles, em 2013, quando as novas paisagens de Pasta foram reveladas ao público.

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Hoje elas voltam ampliadas, em dimensões que justificam o esforço dos sócios da Galeria Millan para construir um anexo (ao lado de sua sede) digno de grandes eventos. O inaugural vale por dois: Há um Fora Dentro da Gente e Fora da Gente um Dentro são duas exposições simultâneas que tomam emprestado um verso do poeta mineiro Francisco Alvim. As novas paisagens de Pasta ocupam o Anexo Millan. Na galeria, ele mostra telas abstratas que dão sequência às suas pesquisas cromáticas, cuja ligação com a história é igualmente forte: nesses óleos recentes, ele retoma a perspectiva do proto-Renascimento para sugerir o motivo da Anunciação sem a presença da figura, indo de encontro ao espectador, como na antiga perspectiva invertida que tanto fascinou Cézanne e os modernos.

Uma das paredes da mostra é a prova definitiva de que Pasta concretiza com três dessas pinturas o projeto dos grandes mestres renascentistas, o de fazer convergir luz e cor para o mesmo ponto – justamente onde se encontra o observador. Se vale uma recomendação, está na hora de uma instituição pensar na construção de uma capela para abrigar essas obras, um espaço para meditação como o de Rothko no Texas. Não é, de modo algum, um exagero. Há alguns anos, o crítico Ronaldo Brito já observara que a busca da harmonia é a razão da pintura de Pasta, que, na contramão do desencanto atual, “procede quase a uma ascese laica”.

Também na contramão da contemporaneidade, que busca o efêmero, Pasta permaneceu fiel à pintura, cuja morte foi anunciada dezenas de vezes no passado. Prova de sua vitalidade é o entusiasmo que motivou o pintor a retomar a paisagem após a leitura da biografia de Van Gogh, que admirava os pintores de Barbizon – especialmente Corot e Daubigny – e de Haia, em particular seu mestre Anton Mauve, da primeira geração da escola holandesa que, a exemplo da francesa, abriu caminho para os impressionistas e pós-impressionistas.

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Pasta parece próximo dos holandeses, que estavam menos interessados no aspecto realista da paisagem e mais atentos à atmosfera, à impressão do momento, como observou o crítico Jacob van Santen. Ele chamava a escola de Haia de “cinzenta”, por usar cores “ambíguas”, escuras. Pintores como Mauve, de fato, elegeram o mau tempo como modelo. Willem Maris talvez seja a exceção: é a quintessência do verão holandês. Pasta consegue unir os dois, com nítida preferência pelo céu tempestuoso. “Talvez um dia pinte uma vaquinha como Maris”, sugere o pintor, mas, por enquanto, suas paisagens não trazem animais ou pessoas (como nas telas da escola de Barbizon e Haia, unidas pela comoção humanista).

“Minha pintura é um estado atmosférico, as cores têm essa ambiguidade presente em Bonnard”, analisa. Bonnard, como Pasta, fez uma pintura rememorativa, de caráter proustiano, que não encontra correspondência cromática concreta, porque são cores da memória. Frequentemente, Bonnard recorria a fotos que tirava para pintar paisagens em seu ateliê, como Pasta faz. “Matisse dizia que ‘sentia’ através da cor e digo que a cor pode mesmo gerar a forma, que para mim tem de ser uma forma indefinida, consequência, portanto, de uma cor igualmente indefinida”. Mais uma vez, Bonnard: elusivo, íntimo. “Certamente, a exemplo de José Antonio da Silva, não conseguiria pintar uma paisagem que não me fosse familiar”, admite o pintor, atribuindo esse gosto pela indefinição como um fenômeno de época.

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É preciso evocar o fascínio que a pintura metafísica italiana também exerceu sobre Pasta no começo de carreira, há 30 anos, o que explica os grandes espaços vazios dessas paisagens onde aparecem vestígios de construções – um engenho de cana, uma olaria. Encabulado, como revelou Pasta na Serrote, ele descobriu, ao ver o conjunto dessas paisagens em seu ateliê, que os arredores de Ariranha “conversavam com o campo francês” e que a luz interiorana encontrava correspondência no céu holandês – que alude ao de Jacob Maris, irmão de Willem, e Weissenbruch, o Corot holandês.

Impressionado com essa produção, o editor Samuel Titan Jr. reuniu 28 dessas pinturas no livro Fábula da Paisagem, que está sendo lançado simultaneamente às duas exposições de Paulo Pasta na Galeria e no Anexo Millan. Ainda no Anexo, que tem um pé direito de 6 metros de altura e iluminação natural, o artista fez uma pintura abstrata de grandes dimensões que poderá ser reproduzida quatro vezes em diferentes formatos, como um múltiplo. Uma nova ideia para um novo espaço, que os sócios André Millan e Socorro de Andrade Lima definem como um ponto de encontro de artistas, críticos e curadores. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.