Em carta a um amigo, Tchekhov escreveu, certa vez, que a medicina era sua legítima esposa, e a literatura, sua amante. O autor russo não foi caso único, nem mesmo raro ao longo da história: vários escritores de destaque também foram médicos. Além disso, há inúmeras obras que, mesmo sem terem um profissional da ciência médica como autor, entram com maestria nesse universo – O alienista, de Machado de Assis, é exemplo clássico.
Abordando a profícua relação entre as duas áreas, a Academia Brasileira de Letras (ABL) promove, neste mês de outubro, o ciclo de conferências Literatura e Medicina, coordenado pelo acadêmico e jornalista Cícero Sandroni. As palestras têm entrada franca e ocorrem às terças-feiras, 17h30, no Teatro Raimundo Magalhães Jr., no Centro do Rio de Janeiro.
Nesta semana, foi a vez da palestra A tísica na literatura: da peste ao lirismo acadêmico, ministrada pela médica Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Para Margareth, a relação entre a literatura e a medicina é um “casamento indissolúvel e sem litígio”. Entre os assuntos abordados em sua conferência estavam os casos de grandes escritores que passaram pela tuberculose e não viveram apenas o componente de amargura da doença, mas também descreveram o uni verso humano de um sanatório. “Poderíamos citar vários exemplos de uma riqueza humana insuperável, como Nelson Rodrigues, Roland Barthes e Manuel Bandeira”, detalha.
Um encontro humanístico
Já nos casos de médicos escritores, nem sempre a dedicação a essas duas ocupações encontra solução simples: John Keats, um dos grandes românticos ingleses, apesar de ter sido bem-sucedido em sua formação médica, decidiu seguir, durante sua breve vida, a carreira de poeta. O próprio Tchekhov, aliás, não subestimava uma possível “desordem” presente nessa relação entre a medicina e as letras – o que não o impediu de aproveitar-se da ligação entre as duas vocações ao exercer seus ofícios.
O pediatra e poeta carioca Guilherme Sargentelli enxerga a união das áreas com naturalidade. Com três livros de poesia publicados e uma carreira médica ativa nos serviços público e privado, ele não vê necessidade de optar por uma das suas paixões – pelo contrário. “Ser poeta me faz um médico melhor, e ser médico me faz um poeta melhor. Eu realmente acredito que a medicina seja um encontro muito equilibrado entre a ciência e a arte”, resume.
Margareth também enfatiza o lado humanístico como ponto de convergência: “Eu não seria a pessoa que sou se não tivesse tido uma formação com acesso à literatura, à poesia, à música. Talvez fosse uma boa médica, mas não teria o mesmo sentido, a mesma generosidade, o mesmo olhar do outro”. Seguindo linha de raciocínio semelhante, Sargentelli também não vislumbra um fim das suas atividades relacionadas à literatura, seja como leitor ou poeta, tampouco da dedicação à medicina. “Ambas vão sempre caminhar juntas na minha vida, ajudando-me de forma complementar”, arremata.
Confira alguns exemplos:
Moacyr Scliar
O autor e médico gaúcho foi imortal da cadeira 31 da ABL. Em obras como Saturno nos trópicos, estudo sobre a história da melancolia no Brasil, Scliar aliou a medicina e a literatura com maestria.
João Guimarães Rosa
A medicina também foi campo de atuação de um dos maiores escritores da nossa literatura. Além de médico e autor, Rosa exerceu ainda o ofício de diplomata.
Arthur Conan Doyle
A criação mais famosa do escritor inglês teve contribuição valiosa dos seus conhecimentos médicos: as aventuras de Sherlock Holmes e do seu amigo Dr. Watson.
François Rabelais
Descrito por Otto Maria Carpeaux como humanista erudito, Rabelais foi também vigário e grande nome da renascença francesa. Tinha na irreverência e na sátira grandes aliadas do seu talento e vasto conhecimento.