Poucos são os compositores brasileiros que têm voz para cantar. Martinho da Vila está entre eles. Sua voz é tão gostosa que se não fosse compositor poderia, seguramente, seguir a carreira de cantador de samba, MPB, bolero… “Mas eu só me entendia como compositor”, recorda, “só de um tempo para cá fui aceitando a idéia de que as pessoas realmente gostavam de me ouvir cantando também.”
E foi assim que nasceu Voz e Coração (Sony), em que o sambista de Vila Isabel solta a voz em clássicos da música brasileira.
Nenhuma das quatorze faixas traz composições de Martinho. Mas sua interpretação assina cada uma delas com personalidade própria. Ouça Rio de Lágrimas e parece que Martinho da Vila é o próprio rio de Piracicaba. Uma delícia! Tem tamborim e repique no interior paulista!
Ouça-se ele cantando uma de Ataulpho (ainda com ph) Alves e um sorriso no canto dos lábios é inevitável. Ousadia das ousadias: Martinho canta também Chuá Chuá, composta por Pedro de Sá Pereira e Ary Pavão, na década de 20, e imortalizada pelo teatro de revista. “Grandes cantores gravaram Chuá Chuá e eu a interpretei de modo bem diferente”, explica, satisfeito ao saber que a faixa agrada. A interpretação é toda em cordas: as da voz do cantor e as do violão de João de Aquino.
Cada faixa reserva uma surpresa. Olha o Naná Vasconcelos aí, pessoal! E Martinho da Vila conta que este encontro deu-se pela primeira vez na França (afinal, Naná é mais amado na Europa e nos EUA do que aqui). Depois se avistaram em Salvador, quando novamente a conversa de uma gravação veio à baila. Até que Voz e Coração começou a nascer e um de seus rebentos era Chico Rei, samba-enredo que é um poema de tanta categoria.
Pois que Martinho da Vila lembrou-se então de Naná: “Não queria que a batucada suplantasse a letra e a voz melódica de Chico Rei. Para tanto, só chamando Naná da Bahia para fazer um arranjo percussivo. A base é a voz e o berimbau. E a emoção”.
Ouça Chico Rei com essa dupla e veja se é sente arrepio pelo corpo e os olhos marejados!
Faz tempo, mais de 30 anos, que Martinho da Vila passou no vestibular da música brasileira como compositor e como cantor. E agora é diplomado como intérprete, capaz de emocionar, causar alegria e saudável nostalgia. O disco é bom desde a capa (assinada por Elifas Andreato) à produçao de Rildo Hora. Já raiou…