Luiza Dantas/Carta Z Notícias |
Zezé Motta: "Poderia propor reportagem mostrando todos os personagens do meu dia-a-dia". |
Aos 62 anos, completados no dia 27 de junho, e com 38 anos de uma carreira iniciada na mítica novela Beto Rockfeller, Zezé Motta é uma artista multifacetada. Atualmente, em Sinhá-Moça, ela dá vida à escrava Virgínia, que tem seu filho roubado quando ele ainda era bebê. Mesmo com o ritmo intenso de gravações da novela das seis da Globo, Zezé ainda encontra tempo para exercer a profissão de cantora, ser mestre de cerimônia em eventos, além de presidir a ONG Cidan – centro de informação e documentação do artista negro. "Poderia até propor uma reportagem mostrando todos os personagens do meu dia-a-dia. Consigo conciliar tudo", gaba-se.
P – Sinhá-Moça marca seu retorno à Globo depois de uma passagem pela Record e pela Band. Que análise você faz dos seus trabalhos nessas duas emissoras?
R – Apesar de Metamorphoses, da Record, ter tido problemas, ao ver todos os obstáculos que surgiam, o meu exercício era pensar que estava abrindo mais uma porta. Eu tinha plena certeza de que estava colaborando com um projeto que tinha falhas, mas que poderia dar certo mais tarde. A emissora agora está muito bem e, indiretamente, eu contribui para isso. Já falando da Band, minha experiência foi ótima. Há 15 anos, eu só fazia mães e mulheres sofridas na tevê e no cinema. Então pude dar uma respirada porque a Titina era "over", colorida e até meio irresponsável. Ela tinha um lado cômico. Como sempre me aperfeiçoei no drama, Floribella foi uma oportunidade diferente.
P – Mas agora você volta a interpretar uma mulher sofrida…
R – Pois é. No caso de Sinhá- Moça, eu ouvia muitos boatos de que seria convidada, mas nunca tinha a confirmação. Estava naquele período que chamo de entressafra, sem contrato assinado com nenhuma emissora e sem fazer filmes. A gente sempre fica meio apertada nessa fase. Então liguei para o Ricardo Waddington e perguntei se eu realmente seria convidada para a novela. Ele disse para eu ficar tranqüila, pois estava no elenco.
P – E como foi a composição da personagem ?Virgínia?, a "Bá"?
R – Fiquei preocupada porque, na época de pré-produção dessa novela, estava no ar no SBT a reprise de Xica da Silva, da Manchete. Na trama, eu interpretava a Maria, que também era uma escrava, uma mulher sofrida. Eu sabia que precisava encontrar um outro tom para a Virgínia ou seria fim de carreira. Mas conversando com amigos da área, percebi que elas são antagônicas. A Maria era guerreira e inconformada com a sua situação. Já minha personagem em Sinhá é resignada e acredita que o destino dos negros é o sofrimento. Para que o público não confundisse as duas, trabalhei a questão da postura e da entonação da voz. Meu esforço foi desconstruir esse outro personagem que já tinha interpretado.
P – O filme Xica da Silva completa 30 anos em 2006. Mesmo tendo feito tantas novelas e filmes, esse ainda é o grande marco de sua carreira?
R – Sem dúvida. Posso dividir minha vida em antes e depois do filme. Mas, mesmo após esse sucesso, aconteceram coisas chatas. Lembro-me que recebi um convite para fazer um especial na tevê. Era um conto de Clarice Lispector. Quando peguei o roteiro, a única coisa que eu devia fazer era servir doces em uma festa. Eu não acreditei. O Ziembinsky, que era muito meu amigo, aconselhou-me a aceitar, porque eu poderia fechar portas se recusasse. Resolvi correr o risco e não fiz. Estava entrando na militância do movimento negro, era hora de ter coragem.
P – E hoje, a situação dos atores negros é melhor?
R – Eu penso que já existe uma preocupação maior por parte dos produtores, diretores e autores com relação à distribuição dos papéis. Hoje há mais consciência. A publicidade foi a primeira a escancarar, mostrando negros vendendo produtos simples e sofisticados. A mídia se deu conta de que o negro consome. Nos EUA, já há leis que protegem a classe artística negra. Aqui, estamos caminhando lentamente, mas as coisas estão melhorando. Eu mesma já fiz empresária, paisagista, tenho papéis diversificados na carreira.