TV Press – Do alto de seu 1,90 m de altura, Márcio Garcia está sempre com uma postura impecável, o que contrasta com seu jeito mais malandro, de quem cresceu nas areias do Rio praticando esportes. Com um arrastado sotaque carioca, chega a ser difícil imaginar o ator na pele de um indiano que sofre preconceitos ao se apaixonar pela sonhadora Maya, de Juliana Paes.
Em Caminho das Índias, Márcio interpreta Bahuan, um “intocável” – pessoa repelida pela religião hindu e malvista aos olhos de todas as castas na Índia. Após viver 10 anos nos Estados Unidos, Bahuan volta à terra natal para herdar os bens de seu pai adotivo, Shankar, vivido por Lima Duarte. No entanto, o forasteiro sedutor não esperava se apaixonar por Maya, mulher de casta superior, que rejeita qualquer proximidade dos “intocáveis”.
Em seu primeiro protagonista, o ator de 39 anos não disfarça o orgulho por estar em um dos melhores momentos na carreira. Depois de passar cinco anos na Record, onde apresentou o programa de variedades O melhor do Brasil, Márcio retornou para a Globo. Assinou um contrato de seis anos como ator e apresentador, dez anos depois de apresentar o bem-sucedido dominical infantil Gente inocente na emissora. “Consegui voltar para a Globo e muitos não conseguiram. Estou num dos melhores momentos da minha carreira”, anima-se.
P – Você saiu da Globo e foi para a Record após Celebridade e, cinco anos depois, retorna como protagonista do horário nobre e com salário de ator e apresentador. Como aconteceu o convite do diretor Marcos Schechtman para esse regresso?
R – Quando terminou meu contrato com a Record, não chegamos a um acordo financeiro e tivemos divergências de ideais nas produções. O Marcos Schechtman soube disso e me ligou para falar sobre a novela. Nisso, começou todo um processo de sedução e a Globo fez uma proposta que me atraiu. Voltei também pelo lado emocional. Trabalhei 11 anos na Globo e isso contou muito. Fiquei feliz com o crédito que a emissora me deu. Estava querendo voltar a atuar e fiquei fascinado com esse universo da Índia que a Glória (Perez) me apresentou. Me confortou fazer uma novela, mudar um pouco, ter tempo para novas ideias, outra rotina.
P – Mas o cotidiano de gravação de novela é muito mais trabalhoso que o de apresentador.
R – Sem dúvida. Mas esse protagonista me motivou. Tive a oportunidade de me esvaziar de todos os meus preconceitos, tudo que estava formatado pela minha educação e meus hábitos ao longo da vida. O Bahuan não pertence ao meu mundo e é absolutamente diferente de todos os meus outros personagens. Absorvi essa cultura para entender um pouco desse universo tão complexo, as castas, a religião milenar.
P – Quais pesquisas você utilizou para compor esse personagem, desde os workshops para a trama até sua viagem à Índia?
R – Todos que pude, como aulas de dança, culinária, vestimentas, como eles se limpam… Aprendi que os indianos só comem com a mão direita e só se limpam com a esquerda, sem guardanapos. Assisti a muitos filmes, mas nada se compara à viagem. Nunca havia estado na Índia. Foi lá que comecei de fato a entender como são as pessoas, toda aquela miséria. Eles têm mais de mil deuses, é tudo muito espiritual, tudo tem a ver com o carma deles. Eles não almejam nada dos outros, você não vê inveja. Foi uma grande lição perceber a conformidade deles.
P – Essa conformidade é justamente o que seu personagem não tem. Mesmo como “intocável”, ele luta pelo amor de uma mulher de uma casta superior. Como isso vai ser mostrado?
R – É um Romeu e Julieta diferente. O fato de ele ser um “intocável”, o faz um cara excluído, um pária. Lá as castas são herdadas, não conquistadas. Vem de geração em geração. Por isso, o Bahuan duvida se tem o direito de se envolver com a Maya. Na Índia, o casamento é entre famílias. A mulher vai morar na casa da família do, marido. Na Índia, dizem que o casamento é uma panela de água fria com fogo baixo. Com o tempo, vai aquecendo e se transformando. Na nossa cultura, a gente casa com a panela fervendo e, com o tempo, vai esfriando. Mas o amor dele é avassalador e dramático porque a relação entre os dois pode significar uma desgraça para ambas as famílias.
P – Que costumes ligados ao casamento e à relação entre as pessoas mais impressionaram você?
R – As mulheres não andam sozinhas. Não existe beijo, nem no rosto. Quando as brasileiras chegam lá e dão um beijo no rosto de um cara e o abraçam, eles acham que elas querem casar. O cara já fica tenso, começa a subir pelas paredes (risos).
P – Quais os demais conflitos culturais que serão mostrados na história através do Bahuan?
R – Desde o início, a disparidade com os nossos costumes é gritante pela ótica deles. O Bahuan saiu da Índia no final da adolescência e foi morar nos Estados Unidos para estudar. Ele volta à sua terra através de um chamado do Shankar, seu pai de criação e mestre (vivido por Lima Duarte). O Bahuan vai receber seus dotes na Índia. Lá, quando uma pessoa, no caso o Shankar, chega na maturidade, na velhice, tem de abrir mão dos bens materiais para fazer a passagem espiritual. Ele dá tudo o que tem para o Bahuan para entrar na fase da meditação. Tem sido um mergulho tão grande nessa cultura…
P – Você tem pensado como vai ser o tipo de programa que quer apresentar na Globo?
R – Penso em fazer uma produção diferente, que tenha um cunho social. Não quero só trabalhar com entretenimento, mas ajudar na formação das pessoas, passar informação, incentivar a cidadania, dar exemplos bacanas.