Está de volta ao Brasil o primeiro pianista brasileiro a fazer parte de um seletíssimo grupo de estudos sobre Ludwig van Beethoven, na Casa Orfeo, na Itália. Paulista, que mora em Curitiba há quinze anos, Álvaro Siviero viveu em Positano por dois meses entre um exclusivo rol de músicos que teve a chance de estudar a fundo o repertório pianístico do mais importante musicista alemão, quiçá mundial.
O curso é oferecido anualmente pela fundação Wilhelm Kempff, reconhecida no mundo inteiro. ?Eles só trabalham com músicos consagrados?, aponta Álvaro. Kempff foi um dos maiores intérpretes de Beethoven e, apesar de ser alemão, foi na Itália que se estabeleceu e faleceu, não sem antes fundar a entidade que leva seu nome. E por ser o primeiro brasileiro a participar do grupo, Álvaro pôde estudar onde o alemão desenvolveu sua técnica e onde morreu. ?Toquei no piano de Kempff. Quando fazia isso dava até um frio na espinha??, lembra.
Outros cinco pianistas, além do brasileiro – da Ucrânia, Coréia, Israel, Irlanda e Estados Unidos – foram selecionados este ano para participar do curso. As condições para tanto foram exigentes: entre elas, conta-se o fato de os participantes precisarem possuir em seu repertório pelo menos cinco sonatas para piano de Beethoven e dois de seus concertos, tudo de memória. ?Eu tive a alegria de ser convidado. Estudar Beethoven fulltime tendo como pano de fundo a costa amalfitana e suas belezas foi um sonho, um privilégio??, conta Siviero.
Escolha certeira
Mas a escolha de Álvaro Siviero para o master class não surpreendeu quem conhece seu trabalho como músico. Ele leva a sério o piano desde os 4 anos. Começou a dar apresentações quando tinha apenas 7 anos. Colecionou prêmios até que foi aprofundar seus estudos musicais na Áustria. Mais tarde, já na Academia Nacional de Santa Cecília, em Roma, partiria para alguns recitais em terras americanas, como os de Nova York, Boston e Washington.
Mas, mais do que a técnica e as oportunidades que ganhou com a experiência da Casa Orfeo, a viagem e a vivência acenderam o entusiasmo de Álvaro com relação ao Brasil, em especial Curitiba. ?Existe uma diferença abismal entre o que acontece na Europa e por aqui. Na Áustria, por exemplo, as crianças têm sete horas de aula por semana de música. É quase o mesmo que têm de matemática?, relata. ?Mas não se faz um público sem ter músicos que levam o espetáculo ao público.??
Na visão de Álvaro, a primeira coisa a se fazer é quebrar a ?regra?? de que música erudita é igual a Teatro Guaíra. ?Não tenho nada contra o Guaíra. Mas é preciso aproveitar as áreas públicas e levar espetáculos para os parques, por exemplo. Imagine um concerto num domingo de céu aberto em um Barigüi cheio??. Para o músico, o parco referencial musical do brasileiro também não será empecilho para que muitos venham a apreciar obras de gente como Beethoven ou Mozart. ?A música erudita tem a vantagem de tocar a alma.??
E a disposição de Álvaro, para popularizar o que para muitos é tido como exclusivo de gente normalmente endinheirada, é grande. Aliás, para o pianista, a música erudita sofre muito no País por falta de apoio financeiro. ?Não se pode depender do governo para tudo. Quem gosta deveria contribuir mais??, analisa. Sua parte o músico se empenha em fazer. Todos os quatro eventos que aconteceram em Curitiba pela ocasião da comemoração dos 250 anos de Mozart, celebrados este ano, foram organizados por Siviero.
Grande músico é mais humilde
Perfeição e humildade. Para o pianista Álvaro Siviero essa é a
receita de um grande músico. Na sua passagem pela Casa Orfeo, o
brasileiro teve contato com alguns dos maiores expoentes vivo do piano.
Ele conta que viu Martha Argerich, considerada a melhor pianista do
mundo, estudando em seu tempo livre em uma de suas viagens. ?E ela não
tem pudor em perguntar para outros músicos como se deve interpretar
algum trecho que não conheça bem, por exemplo?.
Para Álvaro, todos os grandes com quem teve contato tinham a mesmo
postura: eram humildes, atenciosos e principalmente, acessíveis. ?Um
dos grandes erros dos músicos é não se atualizarem. Isso eu aprendi com
os grandes. Para dominar a obra, é preciso que ela te domine. Se você
não conhece os detalhes do que quer tocar, fica difícil dar vida à
partitura. E se o músico não consegue chegar ao que quer o compositor,
então ele é uma farsa??, afirma.
E as minúcias de Beethoven agora Álvaro sabe muito bem. ?Uma das
particularidades da música do compositor é que suas sinfonias vão se
transformando de acordo com o período, já que o alemão é responsável
pela passagem da era clássica para a romântica?, explica.
Futuro próximo
E apesar de entusiasmado com as chances que quer dar a Curitiba, o
pianista Álvaro Siviero comemora também as oportunidades que se abriram
após seu aprimoramento na Casa Orfeo. ?Para minha carreira, o Master
Class vai representar um divisor de águas??, diz. Exemplo disso é que
logo após terminar o curso, ganhou uma bolsa de estudos para um
semestre de estudos na Universidade de Viena. ?Só falta garimpar agora
um patrocínio??, lembra.
E pelo mesmo motivo, apresentações também não faltarão na agenda de
Álvaro. Algumas pelo Brasil, outras internacionais. Ele já foi
convidado, por exemplo, para dar aulas na Universidade de Strasbourg,
na França, onde também deve se apresentar com a Orquestra de Câmara.
Além disso, os contatos oportunizados na Europa fizeram com que o
pianista conseguisse trazer para Curitiba a Sinfonia de Budapeste, que
se apresenta por aqui em novembro.