A vida em capítulos

Muitos homens têm preconceito contra novelas. Outros não assumem que acompanham os folhetins. Mas para Mauro Alencar, ver novelas é um ofício. Todos os dias, o consultor e pesquisador da Globo assiste a dez novelas, entre nacionais e importadas. Tanto empenho resultou em um doutorado em Teledramaturgia pela USP, e na transformação de sua tese de mestrado no livro “A Hollywood Brasileira”, que chega às livrarias para traçar um minucioso panorama da telenovela brasileira.

Mesmo quando não está em casa, Mauro incumbe a mulher, Ana Paula, de gravar os capítulos de todas as novelas. A idéia de guardar as tramas em fitas VHS, aliás, surgiu no início dos anos 80, quando o pai comprou o primeiro videocassete. Hoje, só de fitas, contabiliza sete mil unidades.

A fixação daquele menino paulistano pelo gênero se iniciou precisamente em 29 de junho de 1970. Foi neste dia que Mauro, então com oito anos, assistiu ao primeiro capítulo de “Irmãos Coragem”. Da abertura aos créditos finais, ele se apaixonou à primeira vista pela novela de Janete Clair. Depois de “Irmãos Coragem”, vieram “O Cafona”, “Bandeira 2” e tantas outras. Em pouco tempo, a paixão virou obsessão. Hoje, já quarentão, Mauro grava novelas inteirinhas de todas as emissoras, passa horas revendo tramas antigas e mantém um acervo pessoal sobre o tema.

Os únicos aliados de Mauro foram os avós, Ilíria e Sinésio, que passaram a financiar a compra de trilhas sonoras. Quando fez 9 anos, ele ganhou de presente o vinil de “O Cafona”, o primeiro a ser lançado pela Som Livre. Segundo ele, os discos serviam para preencher o vazio que sentia toda vez que a palavra “fim” aparecia na tela. “Todo final de novela era sempre a mesma coisa: eu me sentia abandonado, sozinho no mundo”, dramatiza. O primeiro grande baque ele sentiu no dia 15 de julho de 1971, quando foi ao ar o último capítulo de “Irmãos Coragem”.

Quando Mauro foi com a família passear no Rio de Janeiro, em pleno Corcovado ele esboçou a vontade de conhecer o bairro de Bangu, no subúrbio da cidade. Foi lá que Dias Gomes ambientou a trama de “Bandeira 2”. Na imaginação do garoto, ele podia esbarrar a qualquer momento com o Tucão em pessoa, o bicheiro interpretado por Paulo Gracindo. Coincidência ou não, a primeira namorada de Mauro chamava-se Shirley, o mesmo nome da personagem de Marília na novela “O Cafona”, de Bráulio Pedroso. “Chegou uma hora que tudo se misturou na minha cabeça. Já não sabia mais o que era ficção e o que era realidade. Foi aí que comecei a fazer análise”, recorda.

Em 1990, durante as comemorações de 25 anos da emissora, ele se preparou para assistir, “pela quarta vez”, a reprise de “Escrava Isaura”, de Gilberto Braga. “A Isaura foi a minha Tiazinha. Tinha até um chicote igualzinho ao que o Leôncio usava”, recorda. Mas, quando pôs os olhos na abertura, feita a partir de quadros do pintor Debret, levou um choque. Ela era diferente da original. Logo, ligou para Deus e o mundo para saber o motivo da alteração. O diretor Cacá Silveira, responsável pela tal retrospectiva, quis conhecer “aquele maluco” e o convidou para vir ao Rio. Cheio de si, Mauro repetiu alguns diálogos de “Escrava Isaura” e citou os créditos de “Carinhoso”. Conclusão: acabou contratado como consultor pelo “Vídeo Show”. “Nunca me passou pela cabeça fazer outra coisa da vida. Minha missão na Terra é divulgar a cultura noveleira”, delira.

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