A mulher só se destaca no mundo social, empresarial, político, jornalístico ou artístico quando consegue trocar casa, marido e filhos pela carreira. O sucesso feminino é incompatível com rotina tipo casa-trabalho-casa, cueiros, fraldas, cozinha e marido.
Normalmente o destaque profissional é atingido aí pela quase meia idade (não casou para seguir a carreira) e ela começa a perceber que carro importado, viagens, alto salário, prestígio estão, lentamente, perdendo valor. A liberdade vai passando a ser inútil porque a solidão invade por baixo das portas ou frestas das janelas. Os “namorados” entram no circuito sexual, mas logo não resolvem mais um certo tipo de angústia que sobrevem. Cara diferente no travesseiro ao lado, cada manhã, ao contrário de satisfazer, deprime.
Reuniões executivas em fins de tarde principalmente as de sextas-feiras trazem de cambulhada o peso misteriosamente vazio do fim de semana que, rosna no calendário com a perspectiva ameaçadora da solidão, que não pode compartilhar com alguém, seja lá que alguém for.
O telefone é um instrumento mágico de acesso ao mundo exterior, mas está silencioso. Ela resolve usá-lo, buscando contatos que, raramente, acontecem: quem procura saiu, cai na eletrônica, tinha compromisso, está viajando, não chegou ainda, foi a uma festa.
Vai tomar um banho. Uma das vantagens da solidão é poder deixar a porta do banheiro aberta. Em posição de sentido, nua, diante do espelho vertical, começou a seguir o mapa do corpo, pelo rosto. É nele que o Tempo registra sua passagem com precisão de computador. Os olhos, notou, já haviam perdido o brilho relampagueante dos 20 anos. Pequenas marcas nos cantos dos olhos. Que é isso? O chamado “bigode chinês”, nos lábios?
Chegou ao busto e levantou os seios com as mãos. Eram assim, túrgidos firmes. Eram.
A cintura ainda estava lá, um pouco arredondada, é verdade, mas ainda marcada. Gordurinhas coisa pouca, talvez andasse abusando nos almoços e jantares de trabalho, fazer o quê?
Virou de perfil e constatou a presença incômoda da barriguinha. Encolheu-a com um movimento de músculos, alisou-a com a respiração presa e soltou o ar. Teimosa, a barriguinha voltou para o lugar, desafiadora.
Pulou um pedaço do corpo e foi até as coxas, apalpando-as. Pareciam firmes mas um tom de flacidez acompanhado de pequenas estrias começava a aparecer. As veiazinhas anunciavam celulites com um clangor de trompas em batalha romana. Abriu as pernas como em posição de base e decidiu fazer 20 flexões. Só agüentou até a 8.ª. Resfolegou, pensando, é o cigarro, vício infeliz.
Voltou a examinar o pedaço do corpo que havia pulado; Ali estava “ela”, escondida e abrigada. Quanta judiação havia cometido contra “ela”!
Quantas vezes deixou que fosse penetrada sem maior interesse, sentimento ou tesão? Por amor? Ao que se lembrava, umas poucas vezes, “ela” se agitou convulsivamente, sôfrega, no turbilhão de orgasmos, entre gemidos e gritos. Não muitas vezes, a entrega foi passiva, como uma rotina do escritório. Não masturbara nunca. Nas tentativas sentiu-se oca, vazia por dentro, um prazer artificializado e momentâneo.
Entrou no chuveiro deixando a água escorrer pelos cabelos e pelo corpo em pequenas cachoeiras quentes, o sabonete deslizando sobre a pele, fechou os olhos sentindo o contato suave. Bom momento aquele, gostoso, macio. A espuma do xampu caindo dos cabelos, escorrendo, dava-lhe uma sensação de limpeza agradável, quase romântica.
Enxugou-se com a toalha de banho, com uma pequena fez um turbante e com a maior enrolada no corpo, uniforme de mulher quando sai do banho, calçou os chinelos e foi para a sala.
Como esta lhe parecia grande, enorme, espaçosa, confortável, um abrigo seguro, sua “ilha” onde era a única moradora, pensava.
Abandonou o corpo numa poltrona, um delicado torpor foi lhe envolvendo, um sono leve chegando lhe tomou conta. Então sonhou.
Uma casa cheia de crianças álacres e barulhentas, corre-correndo, a panela de pressão apitando na cozinha, o marido gritando pelo seu nome e dizendo que o chuveiro havia queimado. A campainha da porta, era um vendedor de enciclopédias. Seus cabelos caíam pela testa suada que enxugava com o avental. Acordou do sonho com o toque do telefone. Estremunhada, atendeu. Era o chefe pedindo-lhe que não se atrasasse para a reunião de 2.ª feira, às 9 em ponto. Tentou voltar ao sonho, mas não deu.
Sonho só se sonha uma vez …