Em 2014, ao apresentar Jimmys Hall em Cannes, Ken Loach disse que estava cansado. Anunciou que seria seu último filme. Estava se aposentando. Mas foi pelos mesmos motivos que Loach quis se aposentar – sua tristeza perante o estado do mundo: imigrantes caçados feito bichos, jovens marginalizados, desmantelamento dos sistemas de saúde, etc. – que ele recuou e retomou o bastão. “Paul (seu roteirista habitual, Paul Laverty) me veio com essa ideia muito forte que tomou conta de mim,” Loach fez Eu, Daniel Blake, e venceu o Festival de Cannes. Sua segunda Palma de Ouro, após a de Ventos da Liberdade, em 2006.
A classe operária tem um novo herói, e é Daniel Blake. Em 1972, Elio Petri dividiu com o Francesco Rosi de O Caso Mattei a Palma de Ouro. Ao contrário do que sugeria o filme, A Classe Operária Vai ao Paraíso, o filme – visionário – era sobre alienação política. Um operário tão obcecado pelo consumismo que enlouquecia. A classe operária, decididamente, perdeu o paraíso em Eu, Daniel Blake, mas o herói, magnificamente interpretado por Dave Johns, não é nem de longe um alienado. Logo no começo, Daniel Blake está passando por uma junta médica. Vive uma situação surreal. Quer voltar a trabalhar, mas, como teve um ataque do coração, não pode. E também não tem direito ao seguro social.
Pior que ele talvez esteja a personagem de Hayley Squires, Katie, que cria sozinha dois filhos. Katie é atraída por uma promessa de emprego, mas na verdade é prostituição. Ambos, Daniel e Katie, se unem por seus direitos. Fazem guerra à burocracia do governo. Estamos na Inglaterra, mas a situação não é muito diferente da de outros países, incluindo o Brasil. Na coletiva de Eu, Daniel Blake – e, depois, ao agradecer sua Palma de Ouro -, Loach disse que o festival (Cannes) “é muito importante para o futuro do cinema. Temos de permanecer firmes.” E mais – “Quando existe desespero, a história já nos mostrou que a direita se fortalece.” Para arrematar – “Precisamos acreditar na ideia de que um outro mundo é possível.”
Talvez a maior sacada de Loach em Eu, Daniel Blake – e o que realmente faz a diferença no filme – foi a decisão do diretor de entregar o papel a um ator de comédia. Dave Johns é um nome muito conhecido no stand-up da Inglaterra. Criou fama por seu humor ferino contra figuras públicas e instituições. Bem fiel ao seu método de provocar os atores, Loach, no primeiro dia de filmagem, lhe deu um formulário para preencher – o mesmo formulário que, na ficção, é entregue a Daniel Blake. “Disse que, simplesmente, não ia conseguir. Era insano. Havia questões muito capciosas, mas que tinham de ser respondidas adequadamente. Imaginei o estresse de uma pessoa naquelas condições. Daria um ótimo esquete de humor, mas, na verdade, é a mais pura tragédia do cotidiano.”
Numa entrevista por telefone, Johns contou como foi seu primeiro encontro com o diretor. “Sabia que ele queria fazer um filme sobre a classe operária, filmado em Newcastle, onde nasci. Entrei em contato com sua produtora, oferecendo-me. Nosso primeiro encontro foi só sobre futebol, que ambos adoramos.” E como é iniciar nova carreira aos 60 anos? “Estou me sentindo um garoto!”, ele brinca. E os rumores quanto ao Oscar? “Seria muito bom para o filme, mas é colocar a carruagem antes dos cavalos.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.